Laboratório de Sociologia do Trabalho – LASTRO
  • Carta aberta aos representantes das áreas de Ciências Humanas do CNPq e CAPES

    Publicado em 01/11/2012 às 16:07

    O programa de fomento aos periódicos científicos financiados por editais do CNPq/CAPES logrou bons resultados nos últimos anos, especialmente pelo caráter inclusivo, uma vez que essas instituições adotam como característica comum uma compreensão horizontal das ciências, não por acaso constituem, cada qual ao seu modo, diferentes Comitês de Áreas e/ou Assessores. Contrariando essa concepção, a chamada MCTI/CNPq/MEC/CAPES n.09/2012 estabelece condicionalidades para a participação de periódicos que resultarão, certamente, em significativa redução da participação dos periódicos das áreas de ciências humanas e sociais.[1] Essas condicionalidades resultarão em restrições, justamente pela necessidade de indexação no ISI (Thomson Co.), Scopus (Elsevier), PubMed (US National Library of Medicine) ou Scielo. O processo de indexação em cada uma das bases citadas mereceria uma reflexão apurada, uma vez que existe uma literatura nacional e internacional que contextualiza sua importância e especificidade para as distintas áreas científicas. Entretanto, a demanda dos editores nesse momento pauta-se em dois aspectos da chamada, entre outros possíveis que exigiriam maior tempo para discussão. O primeiro aspecto é a isonomia. Os editais “universais”, constituídos por recursos públicos, deveriam se pautar em políticas horizontais, motivo pelo qual não há sentido em privilegiar algumas áreas, a exemplo das indexações da PubMed, o que fere, de partida, as condições isonômicas de concorrência. O segundo aspecto guarda relação com o não reconhecimento, na referida chamada, da própria política de qualificação do Qualis-Capes. Para se ter uma ideia, nas áreas de geografia, história e sociologia, existem aproximadamente 15 periódicos nacionais classificados como A-1 e pelo menos outros 30 classificados como A-2 e mais de 60 classificados como B-1, isso sem enumerar os periódicos nas áreas de educação, arquitetura, urbanismo, ciências políticas, filosofia, direito etc. Não podemos deixar de destacar que a mesma instituição que classifica periódicos de A-1 e A-2 (avaliação de excelência como indicado em diferentes documentos de áreas da CAPES) coloca, em uma chamada conjunta com o CNPq, condicionalidades para participação desses mesmos periódicos.
    Enfim, não se trata de negar a relevância dos indexadores. Ao contrário, os indexadores são importantes ferramentas de mapeamento do público leitor e quantificação do impacto da produção científica. Contudo, negar a avaliação do Qualis como parâmetro de qualidade nos parece um procedimento que desconsidera os caros debates, com participação de editores e representantes de área, que ocorrem na própria CAPES. Com os argumentos descritos, solicitamos a reconsideração dos parâmetros de exclusão presentes na chamada 09.2012-CNPq-CAPES.
    Os editores que subscrevem:

    Tadeu Alencar Arrais, Boletim Goiano de Geografia, Universidade Federal de Goiás
    Eliane Martins de Freitas, OPSIS-História, Universidade Federal de Goiás
    Lucia Helena de Oliveira, Revista Geografia, UNESP-Rio Claro
    José Carlos, Em Debate – Sociologia, Universidade Federal de Santa Catarina
    Arturo Zavala, Revista de Estudos Sociais, Universidade Federal do Mato Grosso
    Maria do Rosário/Peter Zoetti, Cadernos de Arte e Antropologia, Universidade Federal da Bahia
    Antônio Tomas Júnior, Pegada, UNESP-Presidente Prudente
    Maria da Conceição Fonseca, Estudos de Lingua(gem), Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
    Emerson Galvani, Revista do Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo
    Sony Ray, Revista Música Hodie, Universidade Federal de Goiás
    Giovani Pires, Motrivivência-Educação Física, Universidade Federal de Santa Catarina
    Charles França, Terra Livre, Associação dos Geógrafos Brasileiros
    Eustógio Dantas, Mercator, Universidade Federal do Ceará
    Olga Rosa Cabrera Garcia, Revista Brasileira do Caribe, Universidade Federal do Maranhão
    Yolanda Guerra, Revista Temporalis, ABEPSS
    Zeny Rosendahl, Espaço e Cultura, Universidade Estadual do Rio de Janeiro
    Cláudio Luiz Zanotelli, Geografares, Universidade Federal do Espirito Santo
    Angelo Serpa, Geotextos, Universidade Federal da Bahia
    José Gilberto de Souza, Estudos Geográficos, Unesp–Rio Claro
    Luiz Eduardo Panisset Travassos, Caderno de Geografia, PUC-MG
    João Cleps Júnior, Campo Território, Universidade Federal de Uberlândia
    Rosemeire Almeida, Boletim Três Lagoas, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
    Rafael da Silva de Oliveira, Acta Geográfica, Universidade Federal de Roraima
    Marcos Edras, Desenvolvimento Social, Universidade Estadual de Montes Claros-MG
    Ivanilton José de Oliveira, Ateliê Geográfico, Universidade Federal de Goiás
    Cláudio Benito, Entre-Lugar, Universidade Federal Grande Dourados -MS
    Carmem Lúcia Costa, Espaço em Revista, Universidade Federal de Goiás
    Adriana Dorfman, Boletim Gaúcho de Geografia, AGB- Rio Grande do Sul
    Cláudio Ubiratam, Geografia, Universidade Federal de Pernambuco
    Christian Dennys Monteiro de Oliveira, Geosaberes, Universidade Federal do Ceará
    Tathiana Rodrigues Salgado, Revista Élisée, Universidade Estadual de Goiás
    João Batista Pereira Cabral, Geoambiente Online, Universidade Federal de Goiás
    Denis Castilho, Territorial, Universidade Federal de Goiás
    Márcio Mendes Rocha, Percurso, Universidade Estadual de Maringá-Paraná
    Elson Rezende de Melo, Revista de Ciências Humanas, Universidade Federal de Viçosa-MG
    Cicilian Luiza Sahr, Terr@Plural, Universidade Estadual de Ponta Grossa-Paraná
    Sandra de Fátima Oliveira, Terceiro Incluído, Universidade Federal de Goiás
    Antônio Fábio Sabbá Guimarães, GEONORTE, Universidade Federal do Amazonas

    As instituições que subscrevem:

    Associação de Geógrafos Brasileiros – AGB
    Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social-ABEPSS
    Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia – Goiânia/UFGPrograma de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia – Jataí/UFG
    Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia – Catalão/UFG
    Associação de Geografia Teorética – AGETEO

    Enviada no dia 01 de novembro de 2012 para os seguintes contatos institucionais:

    Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
    36.geog@capes.gov.br
    35.antr@capes.gov.br
    40.hist@capes.gov.br
    34.soci@capes.gov.br
    29.arqu@capes.gov.br
    11.arte@capes.gov.br
    pr@capes.gov.br
    csbac@capes.gov.br
    periodicos@capes.gov.br

    CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

    dehs@cnpq.br
    cgchs@cnpq.br
    cochs@cnpq.br
    cosae@cnpq.br
    editoração@cnpq.br
    presidencia@cnpq.br
    comunicação@cnpq.br
    cgefo@cnpq.br

    Contato para novas adesões: periodicoschumanas@yahoo.com.br


  • Um liberal que liberava

    Publicado em 18/10/2012 às 15:22

    As presenças de Severo

    Por PAULO SÉRGIO PINHEIRO

    professor titular de ciência política aposentado da USP. Ex-secretário de Estado dos Direitos Humanos (governo FHC)

    “Tinha este dom, o Severo: nele os extremos se tocavam, cessavam os contrastes. A boêmia e a disciplina. O empenho no que fazia e o à-vontade no que sabia de graça”

    Otto Lara Rezende, em “A sua vida continua”, na Folha de 16 de outubro de 1992

    *

    Nesses dias em que a Comissão Nacional da Verdade começa a desvendar os crimes dos agentes de Estado na ditadura militar, ganham sentido as denúncias de tortura que Severo Gomes, ministro no governo Geisel, levava corajosamente ao centro de governo.

    Agora que se refazem os rastros do financiamento das equipes de torturadores pelos grandes industriais paulistas, entre os raríssimos que não contribuíram estão José Mindlin e Severo Gomes.

    Mas os protetores dos algozes jamais irão perdoar Severo, e a sua queda do ministério se dá justamente no contexto de uma provocação armada por eles.

    Liberal num governo autoritário, apoiou a realização na Universidade de Brasília da reunião de 1976 da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), uma das gigantescas assembleias pela democracia das quais sempre participava.

    Uma pesquisa sobre história da industrialização em São Paulo, em convênio com a Unicamp, chega até a mesa do general Geisel, que o chama para explicar o que o Ministério da Indústria e Comércio tinha a ver com aquilo. Severo explicou: “Presidente, como estudar a indústria sem tratar da história dos operários?”.

    O convênio serviu para consolidar ali o Arquivo de História Social Edgard Leuenroth, o maior do continente hoje. Dali saiu o belíssimo filme de Lauro Escorel, “Os Libertários”. Lembro-me da projeção do copião no apartamento de Severo, emocionado.

    Severo se inquietava com a situação das prisões no Brasil, 90 mil presos submetidos à superpopulação e a condições inumanas –hoje são 515 mil detentos, a quarta maior população carcerária do mundo, depois dos EUA, da China e da Rússia.

    Em 1983, Severo, já na oposição, convoca um grupo de amigos –Fernando Millan, Hélio Bicudo, José Gregori, Antonio Candido (seu antigo mestre que admirava) e outros– para visitar o manicômio de Franco da Rocha, onde pacientes foram massacrados pela polícia militar.

    O grupo viria a ser Comissão Teotônio Vilela de direitos humanos, que comemora agora 29 anos.

    Severo, no Senado, dedicou-se aos temas da transição política e do Estado de Direito. Na Constituinte, foi um dos relatores do artigo 5º da Constituição de 1988, que trata dos direitos individuais.

    Ali defendeu os direitos dos afrodescendentes, organizando o primeiro seminário sobre racismo na história do Senado Federal. Defendeu arduamente os povos indígenas, junto com a comissão pela criação do Parque Yanomami.

    Nos seus discursos clamava pela redistribuição da renda e da riqueza, denunciando a falta de recursos para enfrentar os problemas sociais.

    A cena embaçada em um filme, naquele 12 de outubro, há vinte anos, foi a última.

    Em um fim de tarde cinzenta em Angra dos Reis, Maria Henriqueta, sua mulher, sobe a escada de um helicóptero, onde já estavam Ulysses Guimarães e sua mulher, Mora. Antes de entrar, Severo, um lenço amarrado em volta do pescoço, sorri. A cerimônia dos adeuses foi fugaz. O que nos resta é não esquecer.

    FONTE: Jornal Folha de São Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1168270-tendenciasdebates-as-presencas-de-severo.shtml

    Acesso em: 18 out 2012


  • Reforma agrária? Que reforma?

    Publicado em 17/09/2012 às 16:25
    Por Passa Palavra

    Publicado originalmente na página do jornal Passa Palavra em 13 de setembro de 2012

    Se consideramos apenas as posições tomadas nos congressos do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e as ações governamentais, a percepção da existência de uma questão agrária no Brasil consolidou-se na década de 1950. Mas a reflexão sobre a questão agrária é bem anterior. Por parte da burguesia local, vem pelo menos desde os debates do Barão de Mauá com seus pares aristocratas do Senado quanto à “vocação” do Brasil, se agrária ou industrial. Este debate segue nos anos 1930 com os corporativistas — Roberto Simonsen e congêneres — e Octávio Brandão como voz isolada no PCB. De todo o modo, embora estrivesse colocada desde muito antes, foi a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, em especial com o avanço da industrialização, que a questão agrária passou a ter mais peso. A concentração da propriedade da terra nas mãos de poucos latifundiários seria a causa maior da miséria, da fome, da doença e do analfabetismo no meio rural, que até então constituía a grande maioria da população nacional (em torno de 69% em 1940). Tais fatos levavam também a identificar o latifúndio como responsável pelo atraso do desenvolvimento do país. A imposição da miséria, excluindo o maior contingente populacional do mercado, bloqueava o desenvolvimento da industrialização.

    Deste modo, a Reforma Agrária entrou definitivamente na pauta política. As lutas e mobilizações dos camponeses ganharam visibilidade e obtiveram o apoio de partidos, sindicatos e grupos diversos. A Reforma Agrária se transformou em um tema deveras importante e foi um dos motes para o golpe civil-militar de 1964. Naquela época o governo do general Castelo Branco criou a primeira lei de Reforma Agrária, o Estatuto da Terra. E ainda que este, tal qual a Reforma, tenha permanecido letra morta, isso não impediu que a Reforma Agrária, com a aplicação do estatuto — enquanto seu instrumento legal —, fosse a principal reivindicação do movimento rural.

    Mas por que motivo o capitalismo precisa de uma Reforma Agrária? Será que precisa mesmo? E, no caso afirmativo, de que tipo de reforma agrária? O que é que se quer dizer com Reforma Agrária? Uma mobilização de massas com aspectos radicais e igualitários, ou qualquer tipo de mudança relativamente profunda da sociedade rural? É uma revolução ou uma reforma? E, se for uma reforma, que tipo de reforma?

    Será indispensável uma Reforma Agrária para a modernização da agricultura?

    As cartilhas de formação dos militantes costumam afirmar como uma evidência que sem Reforma Agrária não há modernização da agricultura, baseando-se no inevitável exemplo russo. Na Rússia, porém, foi a própria monarquia que começou por se modernizar no final do século XIX, e a extinção da servidão e as reformas que se seguiram tiveram como efeito o desenvolvimento do capitalismo nos campos, como Lenin bem estabeleceu na principal obra econômica da sua juventude. É verdade que a tradicional comunidade de aldeia continuava a ser um importante quadro organizativo, mas parecia inelutável que o capitalismo rural a corroesse a prazo. O principal fator de inércia na Rússia não foi o campo, mas a hierarquia política, o czarismo. É certo, porém, que as derrotas militares russas na primeira guerra mundial e a crescente dissolução do exército em 1917 aceleraram a Reforma Agrária, mas conduzida agora a partir da base. Nos anos seguintes o acesso generalizado dos camponeses à propriedade da terra apressou e ampliou o processo de concentração econômica, o que permitiu que as contradições sociais no campo chegassem, em dez anos, de 1917 até 1928, a um tal ponto que facilitou a luta generalizada contra os kulaks, quer dizer, os camponeses ricos, e permitiu a estatização da agricultura. A coletivização stalinista da agricultura não foi uma mera operação burocrática, como geralmente é apresentada, mas uma segunda revolução, onde a iniciativa popular foi drasticamente reduzida e canalizada dentro dos limites marcados pelo bureau político. Por isso a reforma agrária conduzida pelo próprio campesinato em 1917-1918 foi dirigida politicamente pelo Partido Socialista Revolucionário de Esquerda, que era então um aliado dos bolchevistas, enquanto a coletivização stalinista da agricultura foi conduzida pelo Partido Comunista, quando os socialistas-revolucionários de esquerda já tinham sido dizimados há dez anos.

    Neste contexto é também inevitável o exemplo da China, onde foi necessário o Partido Comunista conduzir uma Reforma Agrária para que pudesse ocorrer a modernização econômica e a industrialização.

    Mas estes dois casos serão a regra ou serão exceções? Ou será que o desenvolvimento histórico é muito mais complexo e que não existe aqui uma regra única? Os brasileiros geralmente interessam-se pouco pelos outros países, mas o Brasil está no mundo e sem entender o mundo não se entende o Brasil. Vejamos o que nos mostram outros exemplos.

    As revoluções inglesa e francesa, respectivamente dos meados do século XVII e do final do século XVIII, foram em grande medida revoluções rurais que criaram uma burguesia camponesa e desenvolveram o proletariado agrícola. Mas estas revoluções ocorreram de maneira muito diferente. Na Inglaterra a revolução do século XVII não liquidou a nobreza, mas foi a nobreza que se tornou comercial e industrial. Ou seja, a mudança econômica efetuou-se na Inglaterra mediante uma aparente continuidade social.

    De início, podia imaginar-se que o mesmo fosse acontecer na França, como tenderia a assinalar o aparecimento da fisiocracia. Com efeito, é significativo que a fisiocracia, que foi a primeira teoria moderna da economia e defendeu a primazia econômica do campo e a modernização econômica rural, tivesse pretendido modernizar a monarquia e não fazer uma revolução. Mas, como se sabe, a história teve outro curso e no final do século XVIII ocorreu na França uma profunda revolução social com uma ampla componente rural. Ora, no século XIX o desenvolvimento econômico da França foi mais retardatário do que o britânico e ficou ultrapassado pelo alemão.

    Bastam estes exemplos para devermos pensar duas vezes, ou mesmo três vezes, antes de associarmos reforma agrária e desenvolvimento econômico. E as dúvidas não param aqui, porque é significativo que o verdadeiro arranque econômico da França se tivesse operado depois de 1814, com o regresso da monarquia. A revolução francesa no campo havia favorecido os notables, quer dizer, as pessoas mais ricas das aldeias, e estes médios proprietários camponeses que se beneficiaram com a revolução não aceleraram nem facilitaram o desenvolvimento capitalista; pelo contrário, constituíram um entrave. Por seu lado, os camponeses que se haviam revoltado contra o rei e contra a nobreza tinham-se revoltado também contra as medidas pró-capitalistas tomadas no final da monarquia. Em suma, a revolução atrasou o desenvolvimento do capitalismo francês relativamente ao capitalismo britânico.

    Mais flagrantemente ainda, na Alemanha a modernização econômica e a industrialização foram feitas com os Junkers, os grandes proprietários fundiários da nobreza de tradição feudal, e não contra eles. Os Junkers não atrasaram a industrialização, mas colaboraram com ela. Do mesmo modo, no final do século XIX o Japão operou uma rápida passagem ao capitalismo e um desenvolvimento econômico acelerado sem proceder a nenhuma Reforma Agrária.

    Um caso bastante mais complexo é o dos Estados Unidos. Não parece que os estados escravistas do sul tivessem prejudicado o desenvolvimento econômico. Pelo contrário, já que o regime de plantação do algodão para exportação incentivou o crescimento do país e a industrialização. Os estados do nordeste comercializavam parte do algodão do sul e, além disso, estabeleceram indústrias de fiação e outras indústrias para vender produtos manufaturados para o estados do oeste e do sul. Paralelamente, as plantações escravistas do sul eram rentáveis. Talvez o obstáculo neste caso tivesse vindo do lado do produtor, já que o caráter fixo da força de trabalho escrava impedia a mobilidade da mão-de-obra, indispensável ao capitalismo; tanto mais que o fluxo de migração interna rumo ao oeste, onde a terra era livre, diminuía o número de trabalhadores nos estados industriais do nordeste. Se esta análise estiver correta, devemos admitir que um sistema de plantação, sem escravidão mas com uma força de trabalho muito mal paga e obrigada a comprar os meios de subsistência no armazém do patrão, não é prejudicial para o desenvolvimento capitalista desde que essa força de trabalho tenha mobilidade. O certo é que nos Estados Unidos a história correu de maneira diferente e, ao contrário do caso alemão, em que os industriais se aliaram com os grandes proprietários, os Junkers, no caso norte-americano o desenvolvimento econômico resultou de uma aliança da indústria (estados do nordeste) com a pequena e média agricultura (estados do oeste) contra o sistema de plantações (estados do sul).

    Assim, a questão da Reforma Agrária insere-se em contextos históricos muito mais complexos do que a simples relação entre o setor rural e a restante economia. Por isso, parece ilegítimo pretender que uma Reforma Agrária — mesmo independentemente de saber qual o tipo dessa reforma — seja indispensável ao desenvolvimento econômico. A ausência de uma revolução ou de uma Reforma Agrária pode não revelar uma sociedade esclerosada. Pelo contrário, pode revelar uma sociedade que foi capaz de se modificar internamente e de se adequar às novas necessidades. Nesta perspectiva, é indispensável distinguir uma mudança exclusivamente dirigida para as estruturas econômicas e uma mudança mais ampla, incluindo a renovação da composição das classes dominantes.

    E no Brasil?

    Perante estas interrogações, o que significa exatamente mencionar a Reforma Agrária no Brasil? O debate contemporâneo sobre a Reforma Agrária no Brasil divide-se basicamente em dois pólos antagônicos.

    Por um lado, há os que, como Zander Navarro [1], defendem que o momento da Reforma Agrária já passou, que a modernização da sociedade leva inexoravelmente a um processo de êxodo do campo, convertendo os camponeses numa classe agonizante. Além disso, argumentam que não mais existe grande volume de terras improdutivas disponíveis para redistribuição, pois os latifúndios tradicionais foram convertidos em empresas de agronegócio, não cabendo, portanto, limitação do seu tamanho. Deste modo, a Reforma Agrária seria irrelevante para o desenvolvimento rural, em decorrência da modernização tecnológica da agricultura, do aumento da produtividade e do lucro gerado nas fazendas do agronegócio. Para os opositores e céticos em relação à Reforma Agrária, os assentamentos assemelham-se a “favelas rurais” ao invés de fazendas bem-sucedidas.

    No entanto, a precariedade de muitos assentamentos pode ser explicada pelo tipo de política governamental adotada, ou pela falta dela. Segundo um estudo governamental de 2002, de todos os assentamentos constituídos entre 1995 e 2001, 55% não tinham eletricidade, em 49% faltava água potável, em 29% não havia escola de nível fundamental e 62% careciam de acesso a assistência médica de emergência, acentuando-se, ainda, o fato de muitos assentamentos terem sido criados em áreas distantes dos mercados locais e serviços públicos. Ainda assim, apenas 12% dos lotes agrícolas haviam sido abandonados [2].

    Por outro lado, os que defendem a Reforma Agrária enfatizam que ela é uma política eficaz contra a secular injustiça social do Brasil, pois conseguiria diminuir a desigualdade social. Argumentam ainda que a maioria dos latifúndios não conseguiria sobreviver sem os vultosos subsídios públicos e que tampouco o agronegócio é tão eficiente quanto propagam as grandes empresas midiáticas, bastando constatar que o governo continua a utilizar os índices de produtividade do Censo Agropecuário de 1975.

    Além disso, os defensores da Reforma Agrária destacam que, de acordo com o Censo Agropecuário de 2006, a maior parte dos alimentos consumidos no país é produto da agricultura familiar: mandioca (92%), carne de frango e ovos (88%), banana (85%), feijão (78%), batatas (77%), café (70%) e leite (71%) [3].

    Mas vejamos. Se o Brasil vem de um longo passado histórico de agricultura em sistema de plantagem com produção de subsistência existindo a reboque, parece estranho que os defensores da agricultura familiar reivindiquem como conquista aquilo que é exatamente a reprodução do mesmo sistema que combatem. Aquelas estatísticas do Censo Agropecuário de 2006 apenas demonstram com números que mais de cinquenta anos de políticas de Reforma Agrária não resultaram em qualquer mudança significativa da estrutura agropecuária brasileira. Interessante seria se os defensores da agricultura familiar mostrassem dados a indicar seu avanço em setores onde o agronegócio e a plantagem dominam, e mesmo estes ainda precisariam levar em conta arrendamentos e meações. Mas como isto não existe, pois esses setores exigem economias de escala impossíveis de alcançar para a agricultura familiar, a persistência de uma derrota é apresentada como conquista.

    Os defensores da Reforma Agrária afirmam também que este tipo de modo de produção agrícola apresenta maior produtividade por hectare (em terras de menor qualidade) do que as fazendas de grande escala, gerando ainda um maior número de empregos no campo (87%) e de forma mais barata [4].

    Para muitos de seus defensores, a Reforma Agrária traria igualmente ganhos no manejo ecológico, que seria próprio da agricultura familiar, em contraste com o agronegócio, caracterizado pela criação de gado em grande escala e pela alta dependência de defensivos químicos.

    Ora, a afirmação de que a agricultura familiar, nas condições de atraso tecnológico em que continua a ser praticada no Brasil, seria mais produtiva do que o agronegócio baseia-se em vários malabarismos. Por um lado, as culturas intensivas são sempre mais produtivas por hectare do que as culturas extensivas. Por área plantada, as hortas e os pomares são sempre mais produtivos do que os campos de cereais, daí o papel que desempenham na produção de alguns alimentos. A comparação da produtividade por hectare deve ser feita, por isso, entre a cultura intensiva em explorações familiares tradicionais e a cultura intensiva em explorações capitalistas modernas e usando novas tecnologias. Por outro lado, quando afirmam que a agricultura familiar gera um maior número de empregos no campo, os defensores desta modalidade de Reforma Agrária estão implicitamente dizendo que esse tipo de exploração é muito menos produtivo em termos de força de trabalho. E quando acrescentam que os empregos são gerados de forma mais barata na agricultura familiar do que no agronegócio, os defensores daquela modalidade de Reforma Agrária estão implicitamente reconhecendo que o sistema de trabalho doméstico constitui uma forma gravosa de auto-exploração.

    Em que terreno se situa esta polêmica?

    A partir de 1970, em menos de quatro décadas a situação do país sofreu mudanças fundamentais. Uma delas foi a inversão da população rural e urbana. Em 1980 a população urbana já era de aproximadamente 68%, contra 32% da rural, invertendo a proporção de 1940. De acordo com o censo de 2010, a população residente na área rural é agora inferior a 16%; e estimativas contidas em relatório de 2012 da ONU para o habitat prevêem que a taxa de urbanização no Brasil deva chegar a 90% até 2020 [5].

    Note-se, porém, que a concentração da população nas cidades não é imediatamente sinônimo do declínio da agropecuária. Segundo o Censo 2010, dos 5.565 municípios brasileiros somente 284 (5,1% do total) ultrapassaram os 100 mil habitantes, e sua população somada chegava a 105.626.953 pessoas (54,91% do total). Os 5.279 municípios restantes (94,86% do total) estão abaixo dos 100 mil habitantes, e sua população somada era de 86.649.231 pessoas (45,04% da população brasileira total). Ora, a maioria destes municípios restantes tem sua economia diretamente ligada à produção agropecuária ou ao extrativismo. Se é assim, embora hoje mais de 80% da população brasileira resida em cidades, pode dizer-se que quase metade da população brasileira vive da agropecuária ou de serviços a ela relacionados. E se levarmos em conta que muitos municípios com população maior que 100 mil habitantes têm economia agrária, esta estimativa pode alcançar até mais da metade da população brasileira. É certo que o campo está em franco esvaziamento, mas isto não significa que as cidades brasileiras sejam menos agrárias nem que as suas periferias estejam desligadas da produção agropecuária. Nesta perspectiva, entende-se que a nova conjuntura do país tivesse determinado a alteração no padrão geral das migrações, diminuindo os fluxos para o Sudeste, ao tempo em que se intensificam os movimentos entre cidades pequenas e médias, sobretudo no Centro-Oeste.

    É ainda naquela perspectiva que devemos entender o crescimento das periferias e favelas. Ora, um dos efeitos alardeados da reforma agrária seria o de contribuir para conter ou mesmo reverter em partes o êxodo rural, reduzindo consequentemente a pobreza urbana e atenuando os índices de criminalidade e as expressões de violência nas cidades, além de fortalecer os pequenos municípios brasileiros. Curiosamente, esta tese não está nada distante da idéia de que a violência e a criminalidade são geradas pelo trabalhador pobre. E assim se repõe, uma vez mais, outra divisão no seio da própria classe, pretendendo que os mais pobres são os mais perigosos.

    Porém, uma das regras da demografia no capitalismo é o abandono dos campos e a concentração de pessoas nas cidades, decorrente de dois motivos: por um lado, à medida que o capitalismo se desenvolve na agropecuária, aumenta a produtividade, medida tanto por área como por força de trabalho; por outro lado, o crescimento da indústria e dos serviços, concentrados nas cidades, requer mais força de trabalho. Quanto a este último aspecto, o referido relatório da ONU para o habitat conclui exatamente que são os centros urbanos os impulsionadores da economia não apenas no país mas em toda a região da América Latina e do Caribe, concentrando-se nas cidades os serviços e a indústria; sendo elas responsáveis por dois terços do Produto Interno Bruto de toda a região; tendo crescido seis vezes o número de cidades na região desde os anos 1960, o que a torna uma das regiões mais urbanizada do mundo, com cerca de 80% do total da população (588 milhões de pessoas) vivendo em cidades – ficando atrás da América do Norte (82,1%) e Europa (84,4%).

    Este relatório da ONU mostra também que aumentaram a desigualdade e as contradições sociais nas cidades, sendo que 111 milhões de pessoas na região vivem em habitações precárias. Mas no sistema capitalista a única forma de travar a migração dos campos para as cidades é o atraso econômico, tanto diminuindo a produtividade da agropecuária como freiando o crescimento da indústria e dos serviços. Será que para evitar a precariedade das periferias urbanas devemos manter o atraso econômico tanto nos campos como nas cidades? Convém que este dilema seja deixado bem explícito, perante a defesa daquela noção de Reforma Agrária.

    É que as alternativas não se limitam àquele dilema. Outra alternativa é a criação e o desenvolvimento de uma unidade de luta entre os trabalhadores que permaneceram no campo e aqueles que migraram para as periferias e as favelas das cidades, incluindo migrações sazonais para empregos temporários na indústria agrícola e na construção civil. A este respeito, vale a pena ver o vídeo Zona Crítica, que ainda foi produzido dentro do MST. Esta é a única perspectiva compatível com o crescimento econômico, mas não se insere no programa estrito de uma Reforma Agrária.

    Além disso, o crescimento econômico dos últimos anos, com a oferta de empregos nas cidades, nomeadamente na construção civil, e a crise da agricultura camponesa, em que cerca de 90% dos agricultores familiares estão com enormes dificuldades econômicas [6], coloca sérios obstáculos nesta conjuntura para tal proposta de Reforma Agrária.

    A questão fica ainda mais complexa ao verificarmos que, por um lado, os programas de assistência focada, nomeadamente o Bolsa Família, têm retirado milhões de pessoas da miséria extrema e garantido acesso a alguns serviços básicos. Remetemos aqui para a série de artigos que o Passa Palavra publicou sobre o Programa Bolsa Família.

    Por outro lado, a agropecuária e o agronegócio já não obedecem ao velho modelo latifundiário. Modernizaram-se e aumentaram muito os níveis de produtividade, estando na origem de uma parte substancial do superávit comercial. Neste contexto, recordamos um artigo publicado no Passa Palavra em que se defende que a transformação das commodities num dos principais pilares da economia brasileira não corresponde a nenhuma regressão tecnológica nem a um regresso ao Brasil-colônia. Curiosamente, a tese de que a importância assumida pelas commodities na economia brasileira equivale a uma desindustrialização do Brasil deve-se sobretudo a Bresser Pereira. Não há dúvida que se trata de um notável intelectual e de um economista arguto, mas, para que o debate ficasse mais claro, seria bom que aquelas pessoas que na extrema-esquerda defendem a tese da desindustrialização reconhecessem a sua origem política.

    Ampliando a análise de modo a incluir toda a agricultura, convém saber que, de acordo com uma notícia publicada no Valor Econômico em 11 de Julho de 2012, um levantamento realizado pela OCDE estabeleceu que “a produtividade da agricultura brasileira cresceu o dobro da média mundial na ultima década, ou cerca de 4% ao ano”. “O crescimento da produtividade brasileira passou de 0,9% ao ano, em média, entre 1961 e 1970, para 4,04% entre 2001 e 2009”. Para efeitos de comparação, a “Rússia e Ucrânia, que saíram de níveis baixíssimos, conseguiram altas de 4,29% e 5,35% ao ano, respectivamente, na última década”. Porém, “no caso dos EUA, um dos maiores produtores mundiais, o ganho médio de produtividade aumentou de 1,21% para 2,26% ao ano na última década” [7].

    O que seria a Reforma Agrária hoje?

    Deste modo, se nas décadas de 1950 e 1960 era dominante na esquerda a tese de que sem a Reforma Agrária o Brasil permaneceria numa condição de subdesenvolvimento, esta situação modificou-se com o transcorrer dos anos e o país desenvolveu-se em muitos aspectos relevantes a despeito de não realizar tal Reforma. Por isso, e ainda que a reivindicação de uma Reforma Agrária não se tenha extinguido, principalmente pelo poder de mobilização e pelas ações dos movimentos camponeses, notadamente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a partir dos anos 2000 a Reforma Agrária vem cedendo espaço para outros temas e está já sendo questionada no interior dos próprios movimentos rurais. Acresce que os movimentos mais eficazes de luta pela terra no país, na última década, têm sido os movimentos indígenas e o movimento quilombola.

    Na realidade, os assentamentos resultaram de pressões sociais e ações localizadas e pontuais, com vistas a regularizar ocupações e resolver conflitos e tensões, e não resultaram de qualquer luta generalizada pela Reforma Agrária. “O que veio se produzindo ao longo dos anos, isso sim, ainda que se possa questionar a sua eficácia, foi uma política para a reforma agrária, ou para os beneficiados por suas intervenções, mesmo que não lhes seja exclusiva, e que ganha corpo em programas e iniciativas focados na agricultura familiar. A questão que fica, portanto, é se ainda há espaço hoje para a reforma agrária” [8].

    Nem os programas de assistência nem o crescimento econômico saldaram o gigantesco e histórico passivo do Brasil na área rural. A riqueza gerada continua sendo extremamente concentrada. No campo — em comparação com o meio urbano — continuam os maiores índices de desigualdade, os baixos níveis de escolaridade, as carências em atendimentos básicos como saúde, saneamento, cultura, direitos. Para Grzybowski [9], esta desigualdade no campo, aprofundada pelas diversas formas de exploração e marginalização, em particular dos trabalhadores assalariados, se deve exatamente ao “sucesso” do modelo de desenvolvimento modernizador, que reproduz em escala ampliada a exclusão já existente no meio rural, não se tratando, pois, de “falta” de desenvolvimento. De acordo com uma dirigente do MST, “por esta lógica — do capital — atualmente não haveria mais uma questão agrária em aberto, a reforma agrária foi realizada, não como gostaríamos, mas às avessas, pelo capital” [10]. Para os defensores da Reforma Agrária, se mantivermos o olhar nos impactos da “modernização conservadora” sob a perspectiva do trabalho, e para amplos setores da sociedade brasileira, perceber-se-á que a questão agrária permanece aberta, pois tem efeitos negativos nas condições de vida dos trabalhadores e agricultores familiares, na distribuição de renda e riquezas no país e no que eles consideram como manejo ecológico do meio ambiente e como produção de alimentos saudáveis e a preço acessível para a maioria da população. Apesar dos avanços no campo jurídico institucional, os constrangimentos no campo econômico mantiveram a desigualdade inalterada.

    A modernização conservadora também tem suas implicações na esfera política, constituindo uma representação oligárquica e solapando a extensão democrática dos direitos de cidadania da população mais pobre, especialmente no meio rural. E assim a sobre-representação política dos latifundiários equivale ao acesso privilegiado aos cofres públicos. Entre 1995 e 2006, estima-se que a representação política dos latifundiários e do agronegócio foi de 2.587 vezes maior do que a dos camponeses pobres e sem-terra. A representação política média dos proprietários de terra foi de um deputado federal para cada 236 famílias, enquanto a dos camponeses sem-terra foi de um deputado para cada 612 mil famílias. No plano econômico, de 1995 a 2005, os grandes fazendeiros tiveram acesso a 1.587 dólares em gastos públicos para cada dólar concedido aos trabalhadores rurais sem-terra [11]. Na safra 2005/2006, os médios e grandes proprietários de terras, com 342.422 estabelecimentos, tiveram acesso a R$ 44,3 bilhões [milhares de milhões]. Em média, cada um recebeu R$ 130 mil. Em contraste, no mesmo período o orçamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que tem como público potencial 3,9 milhões de famílias, foi de R$ 9 bilhões. Na média, cada família tem disponível um pouco mais de R$ 20 mil. Mesmo dentro do Pronaf, os assentados enfrentam outras dificuldades para obter crédito. Foram assinados apenas 64.416 contratos com as 580 mil famílias em projetos da reforma agrária, cerca de 11% do total. O crédito agrícola oferecido girou em torno de R$ 568 milhões, ficando R$ 9 mil por família [12]. No governo Dilma, o Plano Agrícola e Pecuário 2011/2012 prevê uma liberação de R$ 107,2 bilhões (aumento de 7,2% em relação à safra anterior), com condições especiais de financiamento para a renovação de canaviais e para a pecuária, com linhas de crédito diferenciadas [13].

    Mas estaria, então, a Reforma Agrária deixando de ter sentido no cenário atual enquanto modelo de redistribuição generalizada de terras e cedendo espaço para ações voltadas à ampliação da cidadania, como a busca por um tipo de desenvolvimento mais justo, igualitário e inclusivo também no meio rural?

    Num dos países de maior concentração de renda do mundo, associada a um enorme leque de outras desigualdades, a Reforma Agrária pode ser considerada como um passo importante na construção de uma ordem democrática mais sólida e de uma sociedade mais justa. Foi assim que a Reforma Agrária se articulou numa luta ampla pelo fim do regime militar e o retorno de um sistema democrático que apontasse para um tipo de desenvolvimento vinculado à justiça e igualdade. Porém, com a democratização política do país e a consolidação dos projetos neoliberais, a partir dos anos 1990 a Reforma Agrária, aos poucos, deixou de ser objeto de campanhas autônomas dos grupos progressistas. “Assim, já em 1993, a reforma agrária deixou de ser objeto de uma campanha autônoma, para tornar-se parte da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida” [14].

    Mas se a bandeira da redução da pobreza foi encampada pela Campanha Nacional pela Reforma Agrária (CNRA), isto significa, em palavras diretas, a defesa de um tipo de desenvolvimento civilizatório do capitalismo no campo? Neste sentido, a distribuição pontual e localizada de terras, em conjunto com políticas de planejamento, concessão de crédito, assistência técnica, integração ao mercado seria o novo caminho a percorrer?

    Este, de fato, parece ser o consenso enquanto objetivo estratégico entre governo, grandes empresas e movimentos sociais, variando, isto sim, os valores, graus e intensidade de tal projeto, mas não seu aspecto estrutural.

    Referências

    [1] Lerrer, Débora. Reforma Agrária – Os caminhos do impasse. Editora Garçoni, São Paulo, 2003.
    [2] Carter, Miguel. Desafiando a desigualdade: contestação, contexto e consequências. In: Combatendo a desigualdade social – O MST e a reforma agrária no Brasil. Editora Unesp, São Paulo, 2009.
    [3] Carter, Miguel. Desigualdade social, democracia e reforma agrária no Brasil. In: Combatendo a desigualdade social – O MST e a reforma agrária no Brasil. Editora Unesp, São Paulo, 2009.
    [4] Oliveira, Ariovaldo Umbelino de. As transformações no campo e o agronegócio no Brasil. In: Secretaria da CONCRAB. O agronegócio x agricultura familiar e a reforma agrária, Brasília, 2004.
    [5] Estado das Cidades da América Latina e Caribe – Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-HABITAT), 2012.
    [6] Fernandes, Bernardo Mançano. O MST não está em crise, mas, sim, os pequenos agricultores. Entrevista. Unisinos, 2011. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/42460-o-mst-nao-esta-em-crise-mas-sim-os-pequenos-agricultores-entrevista-especial-com-bernardo-mancano-fernandes
    [7] Disponível aqui: http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/7/11/brasil-e-destaque-em-trabalho-da-ocde-sobre-produtividade
    [8] Grynszpan, Mário. Reforma agrária sob olhar histórico. Democracia Viva, n. 47. IBASE, Rio de Janeiro, agosto de 2011.
    [9] Grzybowski, C. Apud Neto, Luiz Bezerra (1999). Sem-Terra aprende e ensina. Estudo sobre as práticas educativas do movimento dos trabalhadores rurais. Campinas: Autores associados.
    [10] Cf. entrevista 10/11/2009 – chegada da marcha Campinas-São Paulo, 2009.
    [11] Carter, Miguel. Desigualdade social, democracia e reforma agrária no Brasil. In: Combatendo a desigualdade social – O MST e a reforma agrária no Brasil. Editora Unesp, São Paulo, 2009.
    [12] Dinheiro público financia o agronegócio, disponível em: http://www.mst.org.br/node/834
    [13] Ver http://www.portaldoagronegocio.com.br/conteudo.php?id=57272; e http://blog.planalto.gov.br/plano-agricola-e-pecuario-20112012-inclui-linhas-de-credito-para-aquisicao-de-matrizes-e-reprodutores/
    [14] Grynszpan, Mário. Reforma agrária sob olhar histórico. Democracia Viva, n. 47. IBASE, Rio de Janeiro, agosto de 2011.

    Fonte: Jornal Passa Palavra. Disponível em: http://passapalavra.info/?p=27717. Acesso em 17 set. 2012.

    (c) Copyleft: É livre a reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.


  • Lançado blog para divulgar a produção teórica marxista no Brasil

    Publicado em 29/08/2012 às 18:21

    Lançado no dia 15 de agosto por docentes e pesquisadores de diversas instituições o blog marxismo21 que objetiva divulgar a produção intelectual marxista brasileira a um público acadêmico e não-universitário (estudantes e professores do ensino médio, profissionais liberais, jornalistas, blogueiros etc.). Artigos em revistas especializadas e de estudos marxistas, teses e dissertações acadêmicas etc. – em torno da teoria marxista e dos marxismos – passam, agora, a ser disponibilizados àqueles que utilizam a web como um  instrumento de pesquisa e formação teórica e crítica.

    Para conhecer marxismo21 ACESSE AQUI

    Conheça também a proposta editorial de marxismo21 ACESSE AQUI


  • Docentes contra Zumbis

    Publicado em 12/06/2012 às 10:26

    GREVE DOCENTE DE 2012 É UM VIGOROSO MOVIMENTO CONTRA O SINDICALISMO DE ESTADO

    NA VIDA UNIVERSITÁRIA

    Por Roberto Leher (UFRJ) e Marcelo Badaró Mattos (UFF)

              Um espectro daninho ronda o sindicalismo brasileiro há mais de oitenta anos: o sindicato de Estado. Um morto, como veremos, muito vivo! Em todos os países que viverem ditaduras fascistas ou aparentadas ao fascismo e que adotaram modelos sindicais corporativistas (de sindicalismo vertical, sindicato único, umbilicalmente ligado e controlado pelo Estado), o sindicalismo de Estado foi superado nos processos de redemocratização. No Brasil, pelo contrário, esse zumbi sobreviveu a dois processos de redemocratização, distantes 40 anos no século XX. A razão fundamental para a manutenção da estrutura do sindicato oficial está em sua funcionalidade para a classe dominante brasileira.Não é pouco significativo  o fato – inerente a sua lógica de funcionamento – de que tal estrutura se sustenta e é sustentada por uma casta de dirigentes sindicais burocratizados, que fazem do sindicalismo meio de vida e atuam, antes de mais nada, para manterem-se à frente do aparato objetivando o usufruto do poder e das vantagens materiais que ele oferece.

    Entre fins dos anos 1970 e meados dos anos 1980 ocorreu um forte impulso pela autonomia sindical. As oposições sindicais e os trabalhadores que empreenderam lutas realizaram uma dura crítica à estrutura do sindicalismo de Estado. Esta fase de retomada das mobilizações da classe trabalhadora brasileira na luta contra a ditadura militar ficou conhecida como “novo sindicalismo”. Como outras categorias, especialmente do funcionalismo público, os docentes universitários fundaram sua organização de caráter sindical – ANDES (depois da Constituição de 1988, ANDES-SN) – naquele contexto, e mantiveram com muita ênfase seu compromisso com um modelo sindical autônomo, combativo e classista, mesmo quando (a partir dos anos 1990) o “novo sindicalismo” viveu um nítido refluxo.

    Entretanto, o peleguismo do sindicalismo oficial, um verdadeiro gato de sete vidas, se imiscuiu entre os docentes de ensino superior a partir dos anos 2000, como sempre puxado pela mão do Estado paternal sempre disposto a tutelar os trabalhadores considerados um contingente “sempre criança” . O espectro ganhou um nome, que alguns por superstição, outros por aversão, se recusam a pronunciar, mas que, como todo fantasma de verdade (sic) não desaparecerá simplesmente se fecharmos os olhos fingindo que ele não existe. Tratamos do PROIFES.

    Algo muito interessante, no entanto, está acontecendo em meio à greve de inéditas proporções que está em curso nas Instituições Federais de Ensino Superior. Professores de todo o país, particularmente naquelas Universidades em que o sindicalismo docente foi envolvido na rede do peleguismo oficialista, demonstram, inapelavelmente, a falta de legitimidade da entidade fantasma.

    O sindicato para-oficial entre os docentes

    As extraordinárias assembleias gerais dos professores de universidades e institutos tecnológicos neste momento dirigidos por setores vinculados à entidade para-governamental, reunindo, como na UFG, a maior quantidade de professores em uma AG da categoria, revelam que os docentes das universidades brasileiras não estão passivos e dóceis diante da vergonhosa tentativa de tutela governamental sobre a livre organização dos trabalhadores docentes. Longe de ser um fato isolado, o mesmo esta acontecendo nas universidades federais do Ceará, Bahia, Rio Grande do Norte e em campi da UFSCAR e em IFETs.

    Esses acontecimentos dizem respeito, em primeiro lugar, a compreensão dos professores de que a sua representação política tem de ser autônoma em relação ao governo e ao Estado e que a estreita simbiose entre a organização dita sindical para-oficial e o governo é deletéria para a carreira, os salários e as condições de trabalho na universidade. Mas a afirmação da independência política dos docentes nas referidas assembleias tem uma importância acadêmica, pois é uma condição para a autonomia universitária. Não pode haver autonomia da universidade se o governo controla ate mesmo a representação política dos docentes. É possível dizer, portanto, que a afirmação da autonomia dos professores é um gesto crucial para a história da universidade pública brasileira!

    A história da entidade fantasma nas Universidades é recente, mas ilustra muito bem como funciona o sindicalismo de Estado no Brasil. Após sucessivas derrotas nas eleições para o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), parcela da chapa derrotada foi alçada pelo então ministro da educação Tarso Genro à condição de representante dos docentes das IFES e, desde então, obteve lugar cativo na assessoria do governo, notadamente no MPOG e no MEC.

    O sindicalismo de Estado que fincou raízes entre nós tem origem no período varguista. A investidura sindical, uma carta de reconhecimento do sindicato pelo ministério do trabalho que confere legalidade a suas prerrogativas de negociação e representação, acrescida do imposto sindical compulsório e da unicidade sindical, criaram as condições para a sua institucionalização no Brasil, conformando o sindicato oficialista. De inspiração fascista, objetiva assegurar a tutela governamental sobre os trabalhadores, valendo-se de prepostos, os pelegos que, nutridos por benesses e prebendas governamentais, servem de caixa de ressonância para as razões dos donos do poder.

    As bases jurídicas para tal estrutura sindical não foram suprimidas, antes disso, são revitalizadas pelas grandes centrais oficialistas que, a despeito de algumas críticas retóricas ao imposto sindical, caso da CUT, se movimentam de modo feroz para provocar desmembramentos de categorias (um requisito em virtude da unicidade e da presunção do apoio governamental) para obter maior fatia dos R$ 2,5 bilhões (total do imposto sindical em 2011) distribuídos entre as 6 centrais sindicais e o MTE.

    O oficialismo também é nutrido pelos generosos dutos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, fundo que arrecadou R$ 50 bilhões em 2011 e que, desde 1990, vêm repassando centenas de milhões para as centrais oficialistas ofertarem cursos de qualificação profissional que, a rigor, podem estruturar uma poderosa máquina política representando, em ultima instância, os tentáculos dos patrões e dos seus governos nas organizações supostamente dos trabalhadores.

    O processo de cooptação e subordinação do sindicalismo de Estado se completa com a participação dos sindicatos oficialistas nos fundos de pensão, que movimentam bilhões de reais e, para seguirem existindo, precisam valorizar as suas ações adquiridas nas bolsas de valores em nome da capitalização da aposentadoria dos cotistas. Entre as principais formas de valorização das ações, os gestores dos fundos incentivam privatizações, fusões e, o que pode ser considerado o núcleo sólido, as reestruturações  das empresas, por meio de demissões, terceirizações e generalização da precarização do trabalho. Em suma, a valorização do portfólio de ações requer que o fundo dito dos trabalhadores se volte contra os direitos dos demais trabalhadores!

    É indubitável que os setores dominantes podem contar com trincheiras defendidas de modo incondicional pelos referidos gestores dos fundos e pela burocracia sindical alimentada pelo imposto sindical, pelo FAT e, no caso das entidades menores, até mesmo por contratos de prestação de serviços de assessoria ao governo financiados pelo próprio governo!

    Diploma do ministério e mão do Estado X Legitimidade

    É irônico observar que com Lula da Silva – o sindicalista que se destacou entre 1978 e 1980 pelas críticas duras à estrutura sindical oficial – na presidência da República, o sindicalismo de Estado ganhou novo fôlego. Foi justamente em seu governo que as centrais sindicais, que em sua origem, nos anos 1980, nasceram a contrapelo da estrutura, foram incorporadas ao sindicalismo vertical, ocupando o topo daquela mesma estrutura montada pelo regime de Vargas nos anos 1930 e reformada pelo governo do ex-sindicalista nos anos 2000. E seus dirigentes passaram a ocupar postos centrais na estrutura do governo, particularmente na área do trabalho e gestão do funcionalismo.

    Considerando os objetivos dos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff de empreenderem uma profunda reforma sindical e trabalhista, a retomada do protagonismo dos professores nas universidades em que as seções sindicais estão aparelhadas pela entidade para-oficial é um grande acontecimento para a organização autônoma dos trabalhadores. Isso porque, por sua fidelidade aos princípios que nortearam o impulso original do “novo sindicalismo”, o ANDES-SN sempre constituiu um contraexemplo muito incômodo para o peleguismo dominante.

    É impossível prever o desfecho da greve dos docentes de 2012 na altura em que redigimos este texto. No entanto, uma conquista já está assegurada. Ao votarem pela adesão ao movimento nas instituições cujas entidades foram aprisionadas pelo sindicato de carimbo, os docentes reconhecem a legitimidade do ANDES-SN e de sua busca constante por um sindicalismo autônomo e combativo. Diante da força da greve não há recurso ao ministério do trabalho, assessoria ao ministério da educação, “mãozinha” do ministério do planejamento, ou apadrinhamento da CUT que possam injetar vida nesse filhote tardio do morto-vivo sindicato de Estado brasileiro. É difícil dizer se ao fim do processo assistiremos ao enterro definitivo da entidade fantasma pois, no quadro do sindicalismo brasileiro, como nos filmes de terror, os zumbis sempre retornam. Mas é certo que a greve desnudou esse espectro que anda pelos gabinetes de Brasília a falar em nome dos docentes. E o que se vê por baixo da capa artificial de legalidade que o Estado tenta lhe vestir é o putrefato cadáver do peleguismo. Morte rápida à entidade zumbi!

    Rio de Janeiro, 11 de junho, 2012.


  • POR UMA CONCEPÇÃO DEMOCRÁTICA DOS DIREITOS AUTORAIS

    Publicado em 04/06/2012 às 11:05

    Criado em 2009, o blog Livros de Humanas reunia mais de 2 mil títulos acadêmicos para descarga (download) gratuita. A página (site) foi retirada da internet no fim de maio, devido a uma ação judicial movida pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), entidade que representa dezenas de editoras do país.

    EM DEFESA DE UMA BIBLIOTECA VIRTUAL

    *Por Alexandre Nodari, Eduardo Sterzi, Eduardo Viveiros de Castro, Idelber Avelar, Pablo Ortellado, Ricardo Lísias e Veronica Stigger

    A liberdade de expressão moderna é indissociável da invenção da imprensa, ou seja, da possibilidade de reproduzir mecanicamente discursos e imagens, fazendo-os circular e durar para além daquele que os concebeu. A própria formação da esfera pública, bem como do ambiente de debate científico e universitário, está umbilicalmente conectada à generalização do acesso aos bens culturais. Sem a disseminação da diversidade e do confronto de opiniões e de teorias, a liberdade de expressão perde seu sopro vital e se torna mero diálogo de surdos, quando não monólogo dos poderosos.

    A internet eleva ao máximo o potencial democrático da circulação do pensamento. E coloca, no centro do debate contemporâneo, o conflito entre uma visão formal-patrimonialista e outra material-comunitária da liberdade de expressão. Tal cisão, bem real, pareceria manifestar-se no conflito entre direitos autorais e direito de acesso. Estes não são, porém, necessariamente antagônicos, pois o prestígio moral e econômico de um autor ou de uma obra está, em última análise, ligado à sua visibilidade. São incontáveis os exemplos de escritores e editoras que não só se tornaram mais conhecidos, como tiveram um incremento na venda de suas obras depois que estas apareceram para download. O público que baixa livros é o mesmo que os compra.

    Assim, o verdadeiro conflito não é entre proprietários e piratas, mas entre monopolistas e difusionistas. A concepção monopolista-formal dos direitos autorais está embasada na ideia de que aquilo que confere valor à obra é a sua raridade, o seu difícil acesso; já a difusionista-democrática se ampara na inseparabilidade de publicidade e valor. A internet favorece a segunda concepção, uma vez que a existência física do objeto cultural que sustentava a primeira vai sendo substituída por sua transformação em entidade puramente informacional. Desse modo, também se produz uma transformação da natureza das bibliotecas. As novas bibliotecas virtuais se baseiam no armazenamento e na disseminação tais como as antigas bibliotecas materiais, mas oferecem uma mudança decisiva porque a estocagem depende da distribuição e não o contrário: é a difusão que garante o armazenamento descentralizado dos arquivos.

    É uma biblioteca sem fins lucrativos e construída nesses moldes modernos e democráticos que se acha sob ameaça devido ao processo movido pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), sob o pretexto de infringir direitos autorais. O alto preço dos livros, o desaparelhamento das bibliotecas públicas e o encarecimento do xerox levaram um estudante universitário a disponibilizar online textos esgotados ou de difícil acesso para seus colegas. A iniciativa cresceu, atraiu a atenção de estudantes e professores de todo o país e se tornou a mais conhecida biblioteca virtual brasileira de textos acadêmicos, ganhando prestígio comparável ao site “Derrida en castellano”, que sofreu processo semelhante e foi absolvido nas cortes argentinas, como esperamos que o “livrosdehumanas.org” o será pela Justiça brasileira.

    Os defensores da concepção patrimonialista dos direitos autorais costumam pintar cenários catastróficos em que a circulação irrestrita de obras gera esterilidade criativa. No entanto, ignoram, ou fingem ignorar, que os textos nascem sempre de outros textos e que o autor é, antes de tudo, um leitor. Hoje, lamentamos a destruição das grandes bibliotecas do passado, como a de Alexandria, e das riquezas que elas protegiam. Poupemo-nos de chorar um dia pela aniquilação das bibliotecas virtuais e pela cultura que elas podiam ter gerado.

    *Alexandre Nodari é doutor em Teoria Literária pela UFSC e editor da Cultura e Barbárie; Eduardo Sterzi é escritor e professor de Teoria Literária na Unicamp; Eduardo Viveiros de Castro é antropólogo e professor do Museu Nacional/UFRJ; Idelber Avelar é crítico literário e professor da Tulane University (Nova Orleans, EUA); Pablo Ortellado é professor de Gestão de Políticas Públicas e de Estudos Culturais na USP, coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai); Ricardo Lísias é escritor, autor de “O céu dos suicidas”, entre outros; Veronica Stigger é escritora, professora de História da Arte na FAAP, coordenadora do curso de Criação Literária da Academia Internacional de Cinema (AIC).


  • Ação direta e luta institucional: complementaridade ou antítese? (2ª parte)

    Publicado em 07/05/2012 às 11:42
    Por Marcelo Lopes de Souza
    Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
    Publicado originalmente na página do jornal Passa Palavra em 04 de maio de 2012

     

    Ressalvas fundamentais a propósito da luta institucional

    É preciso, agora, colocar ainda mais sutileza na argumentação. Já na seção anterior (= última seção do primeiro desta série de artigos) foram entrevistos problemas e esboçadas ressalvas. É hora de prosseguir, agora mais sistematicamente, com esse exercício.
    Ainda que se admita que, para evitar o isolamento, expandir audiências, explorar brechas e contradições ou tirar vantagem de certas margens de manobra, a luta institucional pode-se fazer válida ou importante, é necessário ter clareza quanto ao requisito que é uma análise de conjuntura adequada. Se o Estado é uma estrutura heterônoma, então, estruturalmente, o que conta, acima de tudo e o tempo todo, é o contra o Estado e, também, o apesar do Estado; o com o Estado só pode ser, na melhor das hipóteses, algo subordinado. É a ação direta que deve orientar e balizar a luta institucional, e não o contrário. A ação direta é uma necessidade; a luta institucional, uma possibilidade.
    Estruturalmente, a luta institucional sempre será “jogar no campo do adversário”, metáfora futebolística que empreguei em um livro publicado há alguns anos. [1] Jogar no campo do adversário pode ser, eventualmente, incontornável; mas é preciso ter clareza de que será, sempre e inevitavelmente, um jogo difícil e muito arriscado. Saindo da metáfora e adentrando o tema concreto desta série de artigos, o risco em questão é, acima de tudo, o de “cooptação estrutural”, expressão já apresentada no artigo anterior.
    Como reduzir esse risco? Como fazer face ao Estado? No livro publicado mencionado no parágrafo precedente – o qual, em meio a discussões sobre as possibilidades de uma abordagem crítica da gestão e do planejamento das cidades, coloca, justamente, as questões relativas às potencialidades e limitações da ação direta e da luta institucional –, o presente autor utilizou algumas metáforas adicionais, extraídas do universo das artes marciais. Pretender lutar boxe contra um inimigo muitíssimo mais forte e que dispõe de poderosíssimos recursos econômicos, militares e de propaganda, é tolice; e, na verdade, em se tratando da comparação do potencial de força bruta dos movimentos emancipatórios com aquele do Estado, a desproporção é, em geral, ainda muito maior que a que existiria se um lutador peso-mosca ousasse enfrentar no ringue um boxeador da categoria dos pesados. Contra o aparelho de Estado, é necessário explorar, sobretudo, a capacidade de usar artimanhas, de ludibriar, ao mesmo tempo em que se é muito veloz (características marcantes da capoeira); ademais, é preciso aprender a usar o peso do adversário contra ele próprio (engenhosidade típica do judô). [2] O que isso significa, na prática?
    Em situações de enfrentamento armado, o conhecimento do terreno, o relativo escudo protetor proporcionado pela elevada densidade construtiva e populacional dos centros urbanos (considerando-se o elevado custo político, para um Estado repressor, de dizimar civis ao mesmo tempo em que lança mão de medidas de contrainsurgência), o apoio da população e a capacidade de deslocamento rápido e de atacar de surpresa, alternando lentidão e velocidade, são, entre outros, fatores que podem fazer com que uma enorme disparidade numérica e tecnológica em matéria de meios bélicos seja muito relativizada (basta ver as tremendas dificuldades do mais poderoso exército do planeta, o estadunidense, no Vietnã e, mais recentemente, no Iraque e no Afeganistão). Saber relativizar a disparidade de meios é algo que, há muito tempo, deu origem, aliás, à guerra de guerrilhas.
    Porém, em situações puramente de enfrentamento político, como aquelas de que trata mais diretamente esta série de artigos, estamos lidando não com a necessidade (ou possibilidade) de usar armas contra o Estado, mas sim de vencê-lo nos campos moral e político. É preciso obter vitórias nas seguintes frentes: superioridade moral, por meio de uma divulgação de ideias e imagens que mostrem as iniquidades e injustiças, envergonhando nacional e internacionalmente os agressores e angariando simpatias mesmo entre a classe média; superioridade intelectual, estratégica e tática, por meio de argumentos sólidos e de uma habilidade de estar sempre, como um bom enxadrista (outra metáfora bem útil), mentalmente vários movimentos à frente do adversário.
    Algo básico é: como se apresenta a conjuntura? As margens de manobra para a luta institucional em nível local no Brasil de hoje, por exemplo, são bem diferentes daquelas dos anos 90. Ressalvas e alertas importantes podem ser feitos a respeito de coisas como um orçamento participativo como o de Porto Alegre; tocou-se já neste assunto no artigo anterior. Não é difícil mostrar que a experiência porto-alegrense foi, em si mesma, limitada; mas esse não é o aspecto mais interessante, e sim o seguinte: mesmo admitindo que ela, apesar de limitada, foi significativa, tendo propiciado alguns avanços para a população pobre do município nos anos 90 (note-se, aliás, que a esmagadora maioria das demais experiências “participativas” não possuiu, nem de longe, a mesma profundidade), o fato, entretanto, é que aquela conjuntura, que em Porto Alegre e em alguns outros lugares deu margem a otimismo (e a várias ilusões…), de um modo geral se esgotou. Não compreender isso equivale a repetir a história, desta vez como farsa.
    No artigo anterior, foi feita alusão à sabedoria que, extraída do Zaratustra, de Nietzsche, nos convida a não temer a luta institucional – “lavar-se com água suja”. O problema é que, se não tomarmos muito cuidado, a “água suja”, contaminada, pode fazer-nos perecer. Ser ingênuo, em face do Estado, é sempre fatal; porque, independentemente das boas ou más intenções dos agentes estatais concretos (dirigentes, administradores públicos, “representantes”), a “lógica” estatal sempre apontará na direção da cooptação (ou, no limite, da repressão). É preciso, assim, ser mais astuto que o Estado e seus agentes. É imprescindível, acima de tudo, levar em conta o que diz a seguinte frase: “um bem que impede que gozemos de um maior é, na verdade, um mal.” Esta frase encontra-se na Ética, de Spinoza. [3] É óbvio que nem Nietzsche nem Spinoza têm qualquer relação direta com o assunto que se está, nesta série de artigos, discutindo. Mas aprender a calibrar a sabedoria do Zaratustra de Nietzsche com a ajuda da advertência de Spinoza é, para os movimentos sociais, uma questão de vida ou morte.
    Os perigos e armadilhas da luta institucional podem ser muito didaticamente exemplificados com o auxílio dos casos de luta institucional partidária: ou seja, a criação de ou adesão a partidos políticos, na crença de que essa é uma via (ou a única via) para transformar significativamente a realidade sócio-espacial. Considerem-se os casos de partidos de esquerda, como aqueles da social-democracia europeia no início do século XX, os partidos “eurocomunistas” dos anos 70 e 80, o Partido dos Trabalhadores (PT) brasileiro na década de 80 e o partido do Congresso Nacional Africano (African National Congress, ANC) na África do Sul, durante a fase da resistência armada contra o apartheid e ainda logo após a sua ascensão ao poder de Estado: foram momentos de esperança e, justiça seja feita, de algumas realizações, também. A esses podemos acrescentar um outro exemplo interessante, o do Partido Verde alemão durante a década de 80: sem ser, diferentemente dos anteriormente citados, um partido oriundo do marxismo ou por ele grandemente influenciado, tratava-se de um partido de figurino bastante alternativo, de espírito significativamente de esquerda, com um certo compromisso com a bandeira da democracia direta (no início, os primeiros parlamentares “verdes” buscaram criar, inclusive, regras internas, para minimizar o burocratismo derivado das regras parlamentares formais). Pois bem: o que a história do século XX e da primeira década do século XXI nos mostra é que, em todos esses casos, concessões e mais concessões e ainda mais concessões foram sendo feitas – na forma e, crescentemente, também no conteúdo –, de maneira que, em vez de “mudarem o Estado”, essas estruturas partidárias foram, gradualmente (e, em alguns casos, nem foi preciso esperar muito), adaptando-se completamente ao Estado e aos vícios político-partidários mais corriqueiros. Em não poucas situações, os “trabalhistas”, “social-democratas” e “socialistas” europeus passaram a defender propostas tão conservadoras quanto as do conservadores “assumidos”; no caso do PT e do ANC, a corrupção e o fisiologismo viraram marcas registradas das administrações capitaneadas por essas agremiações; quanto ao Partido Verde alemão, sua ala pretensamente “realista”, após conquistar a hegemonia interna, conseguiu, no início da década passada, chegar ao posto de segundo mais importante partido da coalizão (com os social-democratas) que governou a Alemanha, sob o chanceler Gerhard Schröder – e se mostraram bastante conservadores, apoiando pacotes antipopulares de política “social” e intervenções armadas da Alemanha em território extraeuropeu. Um triste dia (ou belo: depende da perspectiva), o antigo militante, e agora funcionário partidário, administrador público ou parlamentar, se vê soterrado por uma montanha de excrementos morais e políticos, e o que se constata é que não só se acostumou com o odor, como inclusive passa a justificá-lo e também aos excrementos (passa a ter de justificá-los), e até a gostar disso tudo…
    Os exemplos acima arrolados se referem a partidos a respeito dos quais mesmo muitos intelectuais de esquerda, incluindo muitos dos melhores, se equivocaram ou iludiram. Mas os partidos e os políticos mais conservadores, como bem se sabe, também geram expectativas em grande parte da população – tanto é que são eleitos, e com frequência ainda maior que os partidos de esquerda ou menos convencionais. É óbvio que, como também se sabe, a frustração popular costuma vir, nessas situações, ainda mais rapidamente; o que os arremedos de justiça distributiva e os arroubos participacionistas patrocinados e propiciados pelos partidos de esquerda ou centro-esquerda não conseguem, não serão o clientelismo e o fisiologismo mais tradicionais que conseguirão. O curioso é que ainda há quem deplore a crescente decepção generalizada das populações dos mais diferentes países com a política estatal, ao mesmo tempo em que não cessa de receitar, para esse mal, sempre o mesmo remédio: renovar as esperanças em novos políticos e candidatos e, de tempos em tempos, até mesmo em novos partidos. Essa postura é típica dos politólogos, quase sempre incapazes, por uma espécie de atavismo epistemológico, de fazer uma crítica profunda do Estado, mas não é privilégio exclusivo deles: na Alemanha, um partido fundado em 2006, o Piratenpartei (Partido dos Piratas), um dos vários partidos de tipo semelhante existentes pelo mundo afora, vem empolgando jovens eleitores com um programa que vai da Internet grátis para todos até mais transparência, passando por mais participação e livre reprodução não comercial de obras culturais e de conhecimento, [4] e obtendo notáveis sucessos eleitorais. Qualquer semelhança com o espírito “renovador” dos Verdes de trinta anos atrás (hoje considerados pelos Piratas como uma espécie de agrupamento de senhores e senhoras de meia idade acomodados e convencionais) não será mera coincidência. Mais uma vez, comete-se o equívoco de apostar tantas fichas na via parlamentar e em estruturas partidárias.
    No que tange à luta institucional não partidária, que é o objetivo da presente discussão, as aberrações podem ser menos chocantes e as decepções menores, mas os riscos são semelhantes. Isso nos obriga a muita sutileza mental, caso não queiramos simplificar em demasia o problema, em uma direção (rejeição completa e absoluta da luta institucional) ou em outra (defesa imprudente da luta institucional).
    Uma “participação popular” inconsistente e nitidamente farsesca pode ser desprezada (mas jamais subestimada, pois até mesmo ela pode iludir e desmobilizar); porém, uma experiência participativa consistente, justamente por ser consistente, merece ser tratada com desconfiança e cautela (mesmo que seja positivamente valorizada, taticamente): afinal, muito mais que uma experiência fraca, é ela que pode iludir e desarmar mais, ao sugerir, tacitamente, pelos próprios resultados que pode gerar, que a “democracia” representativa é menos problemática do que de fato é. Em suma: o ruim, é ruim mesmo; mas o “bom”, curiosamente, também pode, não raro, ser ruim, por consistir em uma situação ardilosa. E o remédio não é denunciá-lo de maneira rudimentar, mas sim aprender a lidar melhor com situações desconcertantes e desafiadoras. Só subir ao ringue ou pisar no tatame para enfrentar adversários notoriamente fracos não é algo que deponha a favor de nossa força.

    Contra a preguiça mental – e pela audácia que não dispensa uma prudência ainda maior

    Proudhon já disse que “as pessoas gostam de ideias simples, e estão certas em gostar delas. Infelizmente, a simplicidade que buscam só é encontrada nas coisas mais elementares; e o mundo, a sociedade e o homem são feitos de problemas insolúveis, princípios contrários e forças conflitantes.” [5] Gostamos de soluções facilmente manuseáveis; tendemos a elas, e nos aferramos a elas: análises monodimensionais (“a causa”) e monoescalares; estratégias com foco bem definido e constantes, ou até imutáveis; interpretações sólidas como blocos de concreto… Tais coisas prometem conforto psicológico; dão segurança. Como um par de muletas… A realidade, porém, é complexa, e desafia esquemas demasiado simplificadores. O que é didático e sedutor, por permitir o conforto de uma explicação fácil, pode parecer um argumento forte, mas costuma, isso sim, encobrir uma análise fraca, porquanto limitada. E análises fracas não dão origem a estratégias poderosas, mas sim a estratégias limitadas.
    Para muita gente, relativizar dificulta acompanhar o raciocínio e, pior: parece que se está a tergiversar, a incorrer em ambiguidade, em indefinição. Nosso espírito clama, muitas vezes, por um cartesianismo (o célebre imperativo do “claro e distinto”), mesmo quando a complexidade do objeto resiste a interpretações no estilo “ou isso ou aquilo”. Contudo, a tarefa do intelectual, daquele que reflete criticamente, de modo ponderado e honesto ainda que assumidamente situado, sobre sua sociedade e seu espaço-tempo, não é exatamente a de “simplificar”, coisa que costuma resvalar para simplismos e hiperssimplificações. A tarefa é a de colaborar para elucidar a realidade, sabendo que a verdade é, em certa medida, ela mesma, histórica e culturalmente relativa, e que o que cabe é tornar o mundo mais inteligível, sem complicar desnecessariamente a análise, mas fazendo-se justiça à complexidade do real.
    O momento da reflexão e o momento da ação, de um ponto de vista crítico, comprometido com a transformação de uma realidade que se reputa como injusta e modificável, não deixam de ser diferentes, ainda que interdependentes. Desarticulá-los um do outro significa enfraquecê-los e condená-los à mediocridade. Mas nem por isso estamos autorizados a confundir um com o outro, a sobrepô-los de modo vulgar. A ação política irrefletida é cega (ou cínica); a reflexão que não se alimente da práxis (e não se preocupe em retroalimentar a práxis) tende à esterilidade política (e ao estetismo elitista, quando não à hipocrisia).
    O momento da reflexão precisa ser um momento de abertura radical à dúvida, de crítica, mas também de autocrítica (subjetiva mas também “intersubjetiva”, isto é, de teste e escrutínio das posições daqueles com quem simpatizamos, e que às vezes gostariam de transformar suas posições em dogmas, de vê-los aceitos sem maiores discussões e sem ressalvas). O momento da reflexão é o de ser sutil, de fazer perguntas incômodas (às vezes para nós mesmos), de relativizar, de considerar mais de um ângulo, de pesar e sopesar cada adjetivo e cada advérbio. É compreensível que o momento da ação exija que, para defendermos argumentos no calor do debate, em plena “ágora” (ou em circunstâncias muito mais adversas, como sói acontecer em sociedades heterônomas como a nossa), tenhamos de sacrificar sutilezas e relativizações ao sublinhar, com veemência, o que nos parece essencial. O que não é compreensível e nem desculpável é tratar o momento da reflexão como um mero apêndice legitimatório do momento da ação, degradando a análise em panfleto, em sermão encomendado. Se aceitarmos, do único modo que parece realmente compatível com a democracia radical (com a autonomia), as diferenças e a interdependência entre os dois momentos, não há porque temer que um momento esmague o outro. Ignorar isso produziu, no passado, e continua a produzir no presente, tantas contrafações (o “intelectual de partido”, o partido que exige fidelidade canina à “linha” determinada por seus dirigentes, o cerceamento de debates, a censura e a autocensura covarde, a demagogia e o populismo…). É claro que o momento da reflexão não pode ser irresponsável; é óbvio que a publicização das análises tem, sempre, de levar em conta: 1) os riscos de usos indevidos e cretinos que adversários da causa que abraçamos ou com a qual simpatizamos possam fazer de certas informações de conteúdo autocrítico ou relativizador; 2) a segurança daqueles que, eventualmente, nos forneceram os dados e informações que ajudam a sustentar nossa análise. Seja lá como for, esses cuidados não devem ser, meramente, tomados de modo a construir álibis para sonegar informações desagradáveis: isto é, os imperativos ético-políticos de não ser ingênuo e de não ser irresponsável devem ser constantemente calibrados com a ajuda do imperativo de honestidade intelectual, e vice-versa. Não é um desafio trivial, mas pode ser vencido.
    Em se tratando de avaliar as virtudes relativas da luta institucional, o mais comum é toparmos com raciocínios bastante toscos e lineares, mesmo quando se pretendem inspirados em alguma “dialética”. De um lado, o espírito purista e dogmático, que sempre ameaça conduzir ao imobilismo e à irrelevância; de outro lado, a imprudência e os equívocos de avaliação (sejam deixados de lado os oportunismos), que sempre ameaçam redundar em fracassos e frustração – ou cooptação.
    Os anarquistas clássicos estavam essencialmente corretos. Mas o essencialismo (isto é, ver somente o que é mais geral/essencial e negligenciar as particularidades das manifestações histórico-geográficas concretas) é um vício, e algo que atrapalha. Não deixa de ser uma espécie de comodismo e obscurantismo, muitas vezes travestido como profundidade e radicalismo. Ainda que de modo pouco cauteloso e um tanto imperfeito, Bookchin nos ajudou a superar esse vício. Não devemos retroceder para aquém de Bookchin (ou de Castoriadis). É preciso, isso sim, refinar as suas contribuições. Por exemplo: a dificuldade de transpor experiências de um contexto político e cultural para outro, como no caso do “municipalismo libertário”, é uma limitação concreta e forte; só que isso não deve nos impedir de reconhecer certas preocupações (como, precisamente, as de Bookchin) como sendo, em si mesmas, válidas e dignas de reflexão, ainda que as soluções existentes sejam insuficientes ou problemáticas.
    Os anarquistas clássicos estavam estruturalmente certos, mas o essencialismo “estadofóbico” pode levar a uma dificuldade de fazer leituras conjunturais que não sejam míopes e conduzir ao desperdício de chances. Quanto aos leninistas, eles estiveram sempre estruturalmente errados, com seu “estadocentrismo” oportunista, ainda que, conjunturalmente, pudessem obter sucesso – cujo preço para os trabalhadores, é até ocioso repisar o assunto, foi muito elevado. Optar entre “estadofobia” e “estadocentrismo” é uma falsa questão, um falso dilema. A postura “estadocrítica” consegue preservar o fundamental, ao mesmo tempo em que evita melhor o dogmatismo. Essa postura é a que melhor permite criar e sustentar as condições para meditar sobre o processo que vai da cooptação e desmobilização de certos movimentos (ou organizações) ao reforço do ceticismo e do cinismo por parte de muitos, coisas a que assistimos hoje em dia.
    De uma perspectiva “estadocrítica”, é preciso dialetizar a relação entre ganhos modestos e grandes avanços; é necessário articular melhor estrutura e conjuntura, estratégia e tática, curto prazo e longo prazo – evitando, com isso, uma espécie de “hemiplegia mental”. Nem incrementalismo gradualista e empirista nem (pseudo[r])revolucionarismo racionalista e maquiavélico: carecemos de uma síntese poderosa, que nos faculte extrair as imprescindíveis lições do passado, e sem sacrificar a firmeza e a contundência.
    É muito mais fácil, aparentemente, adotar soluções simples, como a rejeição completa e absoluta do “com o Estado”. Até que ponto isso é, porém, razoável? Até que ponto soluções simples desse tipo oferecem conforto mental e boas chances de proselitismo, mas sem, contudo, garantir eficácia? De modo ainda mais eloquente, porém, deve-se advertir sobre o risco de, inversamente, subestimar a relevância da ação direta e superestimar as potencialidades da luta institucional, ainda que não partidária. Autoengano ou oportunismo: as razões individuais pouco importam. As evidências do perigo de não se compreender o significado do Estado e os riscos e as limitações da luta institucional estão aí, abundantes, a demonstrar o estrago de longo prazo que flertar com o “estadocentrismo” pode causar (indo-se, às vezes, além de um simples flerte, como no caso do “realismo” leninista ou, de modo distinto, da maior parte do “movimento ecológico”). A melhor maneira de evitar derrotas acachapantes e o oportunismo não é, entretanto, recusar-se terminantemente a ponderar os prós e os contras da luta institucional, decidindo da melhor maneira possível caso a caso. A melhor maneira é a que nos leva a avaliar melhor as armas disponíveis para os combatentes e as circunstâncias concretas nas quais eles têm de combater.

    Notas

    [1] O livro em questão é A prisão e a ágora: Reflexões sobre a democratização do planejamento e da gestão das cidades (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006), no qual o problema foi explorado; vide pp. 454 e segs.

    [2] Vide A prisão e a ágora, op. cit., p. 456. Para os aficionados pelo boxe (entre os quais, aliás, me incluo), esclareço que não estou sugerindo que fintas e armadilhas sejam estranhas a essa arte marcial! Apenas desejo pôr em destaque, ao tomar a capoeira como metáfora exemplar, uma luta/dança cuja essência mesma é a dissimulação.

    [3] [Baruch de] Spinoza, Ética. Rio de Janeiro, Edições de Ouro, s.d. pág. 284 (Prop. LXV, Demonstração).

    [4] Cf. http://www.piratenpartei.de/wp-content/uploads/2012/02/Grundsatzprogramm-Piratenpartei.pdf, obtido na Internet em 16 de abril de 2012.

    [5] Citado por Martin Buber em seu Paths in Utopia (Syracuse [NY], Syracuse University Press, 1996 [1949]), p. 33.

    Fonte: Jornal Passa Palavra. Disponível em: http://passapalavra.info/?p=56901. Acesso em 07 mai0 2012.

    (c) Copyleft: É livre a reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.


  • Ação direta e luta institucional: complementaridade ou antítese? (1ª parte)

    Publicado em 29/04/2012 às 0:17
    Por Marcelo Lopes de Souza
    Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
    Publicado originalmente na página do jornal Passa Palavra em 27 de Abril de 2012

    Esclarecimentos conceituais

    O presente texto se propõe a refletir sobre uma velha controvérsia, que já foi pretexto para discordâncias tanto no interior do campo libertário quanto, até mesmo, do marxista: qual é o valor tático de se utilizar canais institucionais estatais para se tentar promover certos avanços (ou evitar determinados retrocessos)? E que riscos e armadilhas tal uso tático pode trazer consigo?
    Antes, porém, de se adentrar essa espinhosa e delicada discussão, cumpre esclarecer os significados dessas duas expressões: ação direta e luta institucional. Não se trata de tarefa trivial, uma vez que os conteúdos dessas ideias são, eles mesmos, um tanto polêmicos; por outro lado, do aclaramento desses conteúdos depende a possibilidade de evitar, de partida, ao menos alguns mal-entendidos.
    Ação direta é como (principalmente) os anarquistas têm denominado, há gerações, a atividade de luta armada, mas também de propaganda, agitação e organização, com a finalidade de promover a revolução social e eliminar a exploração de classe e o Estado que lhe dá respaldo. Houve época em que, entendida como “propaganda pela ação” e privilegiando-se o enfrentamento armado, a “ação direta” foi confundida com o emprego da violência, tendo sido, às vezes, até mesmo reduzida ao terrorismo. Felizmente, mesmo entre aqueles que não rejeitaram ou rejeitam, na qualidade de último recurso ou amiúde como estrita necessidade, a resistência armada, a ação direta passou a merecer uma definição bem mais abrangente. Neste texto, consoante essa linha interpretativa, ela designa o conjunto de práticas de luta que são, basicamente, conduzidas apesar do Estado ou contra o Estado, isto é, sem vínculo institucional ou econômico imediato com canais e instâncias estatais.
    De sua parte, a luta institucional significa o uso de canais, instâncias e recursos estatais, tais como conselhos gestores, orçamentos participativos ou fundos públicos. Aqui, entretanto, estabelece-se já uma distinção entre uma posição marxista-leninista e uma postura compatível com o campo libertário: a luta institucional abordada neste texto é uma luta institucional não partidária, ou seja, que não tem como pressuposto a criação de partidos políticos ou a filiação a partidos políticos por parte dos ativistas.
    A própria possibilidade da luta institucional, mesmo quando não partidária, já divide os libertários e, na verdade, até mesmo os marxistas. Entre estes últimos, nem todos tiveram grande apreço pela forma-partido, muito menos pela participação no “parlamento burguês” como um expediente tático, conforme propugnava Lênin; os “conselhistas” (Anton Pannekoek, Karl Korsch etc.), críticos implacáveis de Lênin e do bolchevismo, acreditavam que os conselhos operários seriam a única organização compatível com a construção de um caminho coerente para a emancipação social, e não estruturas centralizadas e hierárquicas como os partidos políticos. Foram os anarquistas – e, da segunda metade do século XX em diante, também os neoanarquistas e os autonomistas –, todavia, aqueles que costumeiramente geraram e têm gerado mais anticorpos contra a própria ideia de organizações hierárquicas e verticais e, por via de consequência, contra a forma-partido; [1] igualmente foram eles que, com mais radicalidade e constância, rejeitaram não somente o Estado capitalista, mas sim o aparelho de Estado em geral (em relação ao qual a existência dos partidos se define). Mesmo o simples contato (ou qualquer forma de associação) com o Estado tendeu a ser rejeitado pelos anarquistas clássicos, [2] que tantas vezes parecem ter acreditado ser possível simplesmente ignorar o Estado – coisa que, o mais tardar ao longo do século XX, foi-se tornando cada vez menos realista, como muitos libertários, notadamente neoanarquistas e autonomistas, foram percebendo.
    A esta altura, é conveniente diferenciar entre três posturas concorrentes no campo crítico-radical, que podem ser denominadas “estadocêntrica”, “estadófoba” e “estadocrítica”. [3] A perspectiva “estadocêntrica” é cabalmente representada pelo leninismo; a “estadófoba”, pelo anarquismo clássico; e a “estadocrítica”, por diversos autores neoanarquistas e autonomistas.
    A perspectiva que o autor deste texto vem advogando é de tipo “estadocrítico”, [4] e partilha com o pensamento autonomista de Cornelius Castoriadis e com o neoanarquismo de Murray Bookchin a crítica do Estado capitalista e, para além disso, do Estado em geral − uma das razões, ao lado de outras, [5] para uma oposição ao marxismo predominante, e muito particularmente ao marxismo militante hegemônico, leninista. No entanto, a perspectiva “estadocrítica” distingue-se do anarquismo clássico porque, apesar da existência de algumas exceções, os anarquistas clássicos tipicamente cultivaram uma postura de completa desqualificação da luta institucional. Não é, assim, acidental que o anarquista Daniel Guérin, em seu importante livro L’anarchisme, destaque o “horror do Estado” (“l’horreur de l’État”) como uma das “ideias-força” do anarquismo. [6] Do ponto de vista do autor destas linhas, uma “fobia” desse tipo, apesar de indicar um temor justificável, nem sempre conduz a uma postura equilibrada e razoável, porquanto infensa a uma compreensão mais sutil da realidade. Um tal enfoque, portanto, demanda um certo reparo.
    Há que se guardar uma distinção, das mais fundamentais, entre o aparelho de Estado, que é uma estrutura (vale dizer: algo que tem uma permanência na escala temporal da longa duração) e os governos específicos, apreensíveis enquanto conjunturas. Nesse ponto, vale a pena recorrer a um marxista heterodoxo, Nicos Poulantzas, para salientar que o Estado não é nem o “árbitro neutro” da ideologia liberal nem o “comitê executivo da burguesia” do marxismo-leninismo ortodoxo (ou, a rigor, também do anarquismo clássico); ele seria, isso sim, uma “condensação de uma relação de forças entre classes e frações de classe” [7] – ou, mais amplamente, entre grupos sociais. Isso significa que os conteúdos políticos concretos das práticas das instituições estatais derivam largamente das correlações de forças existentes na sociedade. Não se trata, em absoluto, de abdicar de um pensamento que compreenda que o Estado é uma estrutura heterônoma – em outras palavras, uma estrutura cuja essência mesma reside na manutenção da ordem heterônoma (assimetria estrutural de poder, separação estrutural entre dirigentes e dirigidos), da qual ele é a principal expressão e um sustentáculo imprescindível. Apenas abre a possibilidade de se poder enxergar melhor que essa estrutura não se manifesta, concretamente, como se ela fosse uma espécie de bloco maciço e sem fissuras, ou de marionete manipulada por uma única pessoa ou um único grupo. Existindo em uma sociedade marcada por conflitos e contradições, na qual os oprimidos também elaboram saberes, exercem (contra)poderes e desenvolvem (contra)projetos, o Estado está sujeito, ele mesmo, a apresentar, conjunturalmente, oscilações, mudanças maiores ou menores de orientação. Essas mudanças, mesmo que não signifiquem o fim de seu papel heterônomo, revelarão, às vezes, fortes contradições internas. Tais contradições oferecem pontos vulneráveis e potencialidades a serem eventualmente explorados pelos movimentos sociais: brechas legais, instâncias participativas oficiais, recursos e fundos públicos.
    Que fique bem claro que, aqui, mesmo quando se argumentar em favor da luta institucional em algumas circunstâncias, aquilo que se estará defendendo é uma luta institucional não partidária praticada, sempre, com muita parcimônia, e conduzida, também sempre, com muita cautela, e mesmo muita desconfiança. E é nesse ponto que a perspectiva “estadocrítica” se diferencia do (marxismo-)leninismo: enquanto os leninistas, desdobrando uma questão um tanto ambiguamente presente em Marx, além de se engajarem na construção de um “Estado socialista” e não procederem a uma crítica do Estado em si (pelo menos, não depois de 1917…), também se pautavam e pautam pela organização segundo formatos hierárquicos e centralizados (partido, “centralismo democrático” etc.), a postura “estadocrítica”, como desdobramento e continuação que é do multissecular legado libertário, recusa a forma-partido e a ideia de um “Estado socialista”, que soa como a reunião de dois termos praticamente antitéticos, ou como uma (perigosa) contradição. Há, aliás, nesse particular, igualmente uma notável convergência com os marxistas “conselhistas” – infelizmente, marginalizados no âmbito do marxismo, como ainda hoje se pode ver pelo menosprezo a eles dedicado pelo ícone da historiografia marxista Eric Hobsbawm, em seu recente How to Change the World, nas pouquíssimas passagens em que ele se refere a Pannekoek ou Korsch. [8]

    A favor (em princípio…) da luta institucional: defesas imprudentes versus defesas comedidas

    Quem entre os homens não quiser morrer de sede
    deve aprender a beber de todos os copos,
    e quem entre os homens desejar permanecer impoluto
    precisa saber lavar-se também com água suja.

    A epígrafe com que se abre esta seção é um trecho da lavra de Nietzsche, o qual, pela boca de seu Zaratustra, defendeu que é preciso aceitar e saber “lavar-se também com água suja” (sich auch mit schmutzigem Wasser zu waschen). [9] Para as finalidades da presente discussão, essa exigência soa assaz inspiradora.
    No nosso caso, “lavar-se também com água suja” pode ser interpretada como a sabedoria que reside em, mesmo sabendo que o Estado constitui uma instância de poder heterônoma, não é possível ou razoável, para os movimentos emancipatórios, suas organizações e ativistas, pretender sempre, pura e simplesmente, ignorá-lo.
    Diferentemente da leitura anarquista clássica, que usualmente reduzia e reduz o “poder” ao “poder estatal” ou, pelo menos, à dominação e à opressão, Cornelius Castoriadis sublinhou a necessidade de um entendimento mais abrangente do que seja o poder [10] (e algo parecido, mas com menos profundidade, foi feito por Bookchin [11]). O poder pode, com efeito, ser heterônomo, ou seja, ter a ver com a heteronomia, com a imposição do nómos de cima para baixo ou de fora para dentro, inclusive com o respaldo decisivo daquilo que, em contraste com o “poder explícito” (pouvoir explicite), Castoriadis denominava “infrapoder implícito” (infrapouvoir implicite) – crença em leis e normas de “origem divina”, em tabus religiosos, em determinismos naturais; enfim, em fontes extrassociais do poder. Essa tem sido, aliás, a situação de longe mais comum ao longo da história da humanidade. Não obstante, o poder pode também ser autônomo (autonomia [autós + nómos]: dar-se a si mesmo a sua própria lei, autogovernar-se), uma vez que a capacidade e a possibilidade de influenciar outras pessoas não precisa ter nada a ver com intimidação, chantagem, engodo, e assim sucessivamente.
    Vale a pena, talvez, repetir: o Estado é uma instância de poder heterônoma, e a principal entre todas elas, por ser, ao mesmo tempo, expressão e pilar da perpetuação de uma assimetria estrutural de poder, de uma divisão da sociedade entre dirigentes e dirigidos, de uma hierarquia institucionalizada e rígida. Para os libertários de todos os matizes, dos anarquistas clássicos a um autonomista como Castoriadis, não se trata apenas de ver o Estado capitalista como problemático, mas sim de compreender o aparelho de Estado, qualquer que ele seja, como problemático, desse ponto de vista. Por essa razão, para os libertários, clamar por um “Estado socialista” ou é cair em uma armadilha ou, no que se refere aos intelectuais identificados com a classe da “burocracia” ou dos “gestores” [12] que insistem em propagar essa ideia, preparar uma armadilha (sem eliminar, certamente, uma dose cavalar de autoengano).
    É sensato avançar a tese de que ignorar o Estado não é, sempre, possível. Aliás, quase nunca é possível, mesmo que aqueles que fundam alguma “comunidade alternativa”, em meio a uma grande cidade ou mesmo em algum local ermo, possam ter, eventualmente, a ilusão de terem cortado todos os laços com o Estado. Para todos os que, como já os anarquistas Élisée Reclus e Piotr Kropotkin, não têm grande apreço por experimentos comunitários mais ou menos isolacionistas e escapistas desse tipo, deve colocar-se, portanto, claramente, a seguinte questão: quais os custos de tentar manter-se “puro e imaculado”? Ou, mais exatamente, de investir na quimera de buscar manter-se “puro e imaculado”?
    Será sempre evitável participar de uma audiência pública, ou mesmo de um canal participativo instituído pelo Estado? Será sempre possível não se informar sobre a legislação existente ou em discussão e, eventualmente, organizar-se para pressionar o Estado a modificá-la ou não aprová-la? Será sempre sensato deixar de tentar acompanhar os pormenores do que se passa nas instituições do Estado? Será sempre viável deixar de participar de debates envolvendo as políticas públicas (ou, antes, estatais…) que o Estado apresenta? Será sempre melhor abrir mão de ter acesso a determinados fundos públicos?
    Ao se levantar essas questões, não se está, por um minuto sequer, subestimando o poder corruptor do Estado ou edulcorando as intenções dos agentes governamentais. O desafio é o de, mesmo sabendo disso, perceber a necessidade de ir além do “nada tenho ou quero ter a ver com o Estado”, a fim de evitar o isolamento e alcançar, às vezes, maior eficácia política. Um tal desafio, entretanto, é enorme. Gigantesco. Voltar-se-á a isso na próxima seção (= primeira seção da segunda e última parte desta série de artigos), mas é possível já iniciar essa discussão a partir de um exemplo ilustre: o “municipalismo libertário” (libertarian municipalism) proposto pelo neoanarquista Murray Bookchin.
    O “municipalismo libertário” se baseia em diversas premissas, dentre as quais duas merecem ser destacadas: 1) nítido reconhecimento da importância político-pedagógica da escala local, incluídas aí, com o devido destaque, as possibilidades e formas de organização condizentes com o ambiente das grandes cidades do mundo contemporâneo (sendo que, para Bookchin, contudo, a valorização da escala local não deve confundir-se com um localismo paroquial); 2) uma compreensão ampla do significado do termo “poder” – muito mais ampla que aquela usual entre os anarquistas clássicos. Sobre este último aspecto, saliente-se que, enquanto aqueles eram useiros e vezeiros em transformar a palavra “poder” em sinônimo de algo ruim, Bookchin não reduziu o poder ao poder heterônomo.
    A questão é que, ao lado de virtudes bastante evidentes como o tino político, a flexibilidade mental e a sensibilidade espacial de Bookchin, o “municipalismo libertário” também incorpora uma valorização da luta institucional sem precedentes na história do anarquismo. E foi isso que muitos anarquistas ortodoxos não aceitaram e, em parte, tampouco compreenderam.
    É bem verdade que o “municipalismo libertário” não poderia, nunca, ser reduzido à luta institucional, sob pena de distorcer o pensamento do libertário estadunidense. Bookchin não deixou dúvidas de que a estratégia por ele defendida visava, acima de tudo, à criação de assembleias locais (ou microlocais, por bairro) e, mais geralmente, formas de organização e frentes de atuação que resultassem em trincheiras eficazes contra a alienação, a atomização, a massificação, a apatia; em suma, contra a degradação sociopolítica e político-cultural das cidades. A partir de sua perspectiva, a luta institucional deveria ter um caráter muito relevante, mas auxiliar em comparação com a ação direta. A polêmica toda, pelo menos entre os anarquistas e outros libertários, reside no fato de que, certamente embebida em muita lucidez e muito senso prático, a proposta de Bookchin contém, no entanto, igualmente aspectos desconcertantemente arrojados, ou mesmo um pouco perigosos. O pomo da discórdia foi a ousadia de Bookchin ao propor que eleições municipais e certos canais ou instituições estatais pudessem ser utilizados para ajudar a criar algumas condições legais e institucionais que colaborassem na tarefa de fomentar assembleias populares (ou de evitar que essas experiências e institucionalidades mais ou menos “paralelas” ao Estado fossem esmagadas). Como ele não cessou de repetir, não se trataria, em absoluto, de “tomar o Estado”, mas sim de usar a margem de manobra eventualmente propiciada pela luta institucional para legislar e organizar, facilitando a construção do que ele entendia ser uma “dualidade de poder”. Ademais, ele sempre frisou que esse tipo de atuação só faria sentido na escala local, e não em escalas supralocais.
    É possível ver virtudes na proposta bookchiniana, como o relativo realismo (saber valorizar e se aproveitar dos marcos espaciais e institucionais em que vivemos) e o inconformismo com uma compreensão muito fechada e épica do que seria a revolução (o que acabaria alimentando um certo imobilismo – subproduto do “nada, a não ser a revolução e a transformação total, nos interessa” – ou, pelo menos, uma baixa eficácia política e um forte isolamento). Porém, mesmo que não se concorde com o tipo de ataque antiquado e não raro mal informado que Bookchin sofreu por parte de anarquistas ortodoxos, e que tanto o amargurou no fim da vida, é forçoso reconhecer que, em sua formulação, há, pelo menos, alguns pontos fracos: 1) exageros quanto às possibilidades da “dualidade de poder”; 2) uma distinção certamente excessiva a propósito da diferença entre a escala local e as demais escalas, no que concerne ao papel do Estado; 3) o fato de que uma estratégia eleitoral que não se proponha a criar e cultivar máquinas partidárias só faz algum sentido em países nos quais a legislação permita lançar candidatos independentes, não filiados a qualquer partido (caso dos Estados Unidos, mas não de muitos outros países, entre eles o Brasil). Talvez se possa ver na argumentação de Bookchin, por tudo isso, de fato, um exemplo de “defesa imprudente” da luta institucional: uma defesa que não deve ser simplesmente desconsiderada ou inteiramente descartada, mas que ultrapassou o limiar que separa a ousadia saudável de uma certa temeridade.
    A utilização da margem de manobra propiciada pelas brechas legais, pelas instâncias participativas oficiais e pelos recursos públicos a que se fez referência no penúltimo parágrafo dos “Esclarecimentos conceituais” não há de se dar, sem sombra de dúvida, sem muita prudência e uma grande dose de desconfiança, exatamente porque não se deve esquecer que, estruturalmente, o Estado não serve à liberdade, mas sim à sua restrição e, em situações-limite, à sua supressão. Dependendo das circunstâncias, se for possível avaliar que os ganhos materiais e até mesmo político-pedagógicos da luta institucional (não-partidária) tendem a ser superiores às eventuais perdas (é preciso ter em mente, acima de tudo, o risco perene de “cooptação estrutural” [13]), coisas como a disputa e a utilização inteligente de canais participativos podem complementar a ação direta – resguardada, sempre, a maior independência possível das organizações dos movimentos em face do Estado. Ou seja: a luta institucional não substitui, em hipótese alguma, a ação direta; no fundo, subordina-se a ela, assim como a tática se subordina à estratégia, e não o contrário. Na fórmula “com o Estado, apesar do Estado, contra o Estado”, empregada pelo autor deste texto em diversos trabalhos anteriores, [14] são os dois últimos ingredientes – e principalmente o último deles – que devem predominar, de um ponto de vista que leve a sério o risco da cooptação e degeneração dos movimentos e que assuma a necessidade de uma mudança sócio-espacial profunda como pré-requisito para se poder falar, com rigor e consistência, em maior justiça social e melhorias substanciais da qualidade de vida da maior parte da população. É essa possibilidade de compreensão estratégica profundamente crítica em relação ao Estado e extremamente exigente no que se refere a qualquer utilização de canais ou instâncias estatais que distingue o pragmatismo necessário a um olhar autonomista “estadocrítico” do tipo de oportunismo de figurino bolchevique.
    É preciso, a esta altura, estar preparado para extrair lições, especialmente das práticas dos movimentos emancipatórios. Ao mesmo tempo em que se incorporam uma crítica e uma prudência essenciais em relação ao Estado, aceita-se que é impossível, simplesmente, pretender ignorar o aparelho de Estado, ou mesmo desconhecer que iniciativas estatais podem, às vezes, ter efeitos potencialmente positivos para a luta emancipatória. Este tipo de possibilidade é, em geral, muito pouco comum, mas é bastante variável conforme o país, a cidade e o momento histórico. Acima de tudo, é algo que jamais está plenamente dado de antemão: é a própria pressão popular, é a própria luta que pode engendrar ou, pelo menos, permitir explorar (e até ampliar) brechas legais e institucionais. A vigilância constante e a própria luta são sempre decisivas. Não há governo estatal “progressista” que não precise ser monitorado, criticado e pressionado. E o tempo todo. Esquecer disso (como decerto gostariam os militantes dos partidos de esquerda, especialmente quando conseguem instalar-se na administração do Estado) equivale, para os movimentos emancipatórios, a caminhar para o precipício.
    Uma ilustração disso é dada pelos Planes argentinos (subsídios dados pelo Estado aos desempregados), abraçados pelos piqueteros sem que, com isso, todos estes tenham necessariamente ficado reféns do Estado; de fato, eles conseguiram uma vitória ao obter o direito de gerir eles mesmos os recursos. Contudo, grande parte do movimento, de fato, caiu na armadilha – se é que é correto, no caso de um movimento heterogêneo como os piqueteros, falar de “armadilha” no que se refere a uma parcela do movimento, bastante próxima do governo… Ademais, qual é a real magnitude da vitória acima assinalada? Em maio de 2004, conforme informam Svampa e Pereyra, o Plan Jefas y Jefes de Hogar alcançava 1.760.000 desempregados; ao serem incluídos também o Plan Familias e o Programa de Emergencia Comunitaria, chega-se ao significativo número (especialmente considerando-se o tamanho da população argentina, de cerca de quarenta milhões de habitantes em 2009) de 2.200.000 beneficiários. Todavia, conforme ressaltam os mesmos autores, apenas cerca de dez por cento dos planes eram “directamente controlados por las organizaciones piqueteras, puesto que el grueso de los planes depende en mayor o menor medida de las estructuras municipales y punteriles [isto é, clientelistas] del Partido Justicialista.” [15]
    Outro exemplo latino-americano, bem diferente quanto à forma, mas do qual podem ser extraídas lições parecidas, vem do Brasil: o orçamento participativo de Porto Alegre, nos anos 90 (o qual, se degringolou de vez após a derrota eleitoral do Partido dos Trabalhadores nas eleições de 2004, já vinha, mesmo antes disso, dando sinais de uma certa “perda de fôlego”). O orçamento participativo da capital gaúcha, a despeito de seus defeitos e limitações, não merece, mesmo de um ângulo de análise extremamente exigente, um julgamento simplisticamente desfavorável, no estilo “nada mais foi que outra tentativa de cooptação”. Registre-se, de passagem, que o próprio Castoriadis não deixou de perceber que conjunturas favoráveis fornecem uma interessante e nada desprezível margem de manobra; e, referindo-se precisamente ao orçamento participativo de Porto Alegre, que ele conheceu no início da década de 90, admitiu: “[a]cho, aliás, que esta experiência particular é extremamente significativa e importante, pois ela mostra que mesmo quando uma iniciativa de participação provém de cima, pode suscitar uma verdadeira participação”. [16] (O que não informaram a ele é que o movimento de bairros de Porto Alegre já tinha, anos antes da vitória do Partido dos Trabalhadores nas eleições municipais, levantado explicitamente a bandeira do controle social do orçamento público…) No longo prazo, todavia, o principal desafio não são os defeitos e as limitações mais evidentes que, inevitavelmente, uma experiência desse tipo, por mais ousada que possa ser, apresentará em meio a uma sociedade heterônoma. O desafio principal é o risco de um “enquadramento” dos movimentos sociais emancipatórios em uma dinâmica estatal. Qual será, diante disso, a atitude mais produtiva: evitar qualquer contato ou aprender a “imunizar-se” contra um tal perigo? Postulo que a linha mais consequente deva ser adotada em conformidade com as circunstâncias concretas, nos marcos da conjuntura. De qualquer maneira, aprimorar a capacidade de não sucumbir e ver ganhos políticos e político-pedagógicos penosamente acumulados se dissiparem na arena da luta institucional é algo em que os movimentos precisam investir ainda mais.
    Não perder o senso crítico e acautelar-se perante o Estado, portanto, são requisitos absolutamente indispensáveis, mas que não justificam a atitude reducionista (sintoma de preguiça mental) de, em nome da crítica, transformar princípios gerais em obstáculos à avaliação informada e inteligente de situações concretas e suas particularidades. A sabedoria dos movimentos e suas organizações passa por discernir com apurado senso crítico e explorar inteligentemente a utilidade (relativa) de certos canais e certas políticas (material e mesmo político-pedagogicamente), desde que estejam preparados para tirar vantagens com cautela, em vez de serem triturados e cooptados pelo Estado. E essa preparação não é nada fácil.
    Notas
    [1] Houve, certamente, incoerências, como as organizações clandestinas preconizadas por Mikhail Bakunin, inegavelmente pouco horizontais.
    [2] Por “anarquistas clássicos” são entendidos, aqui, os libertários da segunda metade do século XIX e das primeiras décadas do século XX. Eles partilharam algumas coisas essenciais, como uma certa interpretação bastante restritiva das ideias de “poder”, “lei” e “governo”, por exemplo, ou ainda uma rejeição quase absoluta da luta institucional, mesmo da não partidária, defendendo, com exclusividade, a ação direta. Note-se, porém, que “clássico” não é um termo depreciativo, como se fosse sinônimo de “inútil e ultrapassado”. Ora, o que queremos dizer quando nos referimos a uma obra ou um autor como sendo “clássico”? Queremos dizer que se trata de um autor ou obra que, depois de décadas ou séculos, ou mesmo depois de milênios (Aristóteles!), continua inspirando e alimentando os debates e as reflexões. No entanto, a partir do instante em que admitimos que o pensamento e a práxis libertários são aqueles que compreendem, no essencial, o conjunto das abordagens e práticas que, clara e profundamente, se contrapõem, ao mesmo tempo, ao capitalismo e ao seu Estado, de um lado, e ao “socialismo burocrático” e seus pressupostos, de outro, será forçoso admitir que, ao longo e a partir da segunda metade do século XX, interpretações nitidamente libertárias que, não obstante, punham e põem em xeque e se afastam de várias das premissas do anarquismo clássico, foram surgindo, trazendo contribuições relevantes. Tais posições compreendem, especialmente, as vertentes neoanarquistas (a “ecologia social” e o “municipalismo libertário” de Murray Bookchin, por exemplo) e autonomistas (como a reflexão de Cornelius Castoriadis em torno do “projeto de autonomia”).
    [3] Vide, de Marcelo Lopes de Souza, Fobópole: O medo generalizado e a militarização da questão urbana (Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2008) e, do mesmo autor, o artigo “Com o Estado, apesar do Estado, contra o Estado: Os movimentos urbanos e suas práticas espaciais, entre a luta institucional e a ação direta” (Cidades, vol. 7, nº 11 [= número temático Formas espaciais e política(s) urbana(s)], pp. 13-47).
    [4] Consulte-se, para uma exposição detalhada, sobretudo o livro A prisão e a ágora: Reflexões sobre a democratização do planejamento e da gestão das cidades (Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2006).
    [5] Ver, sobre isso, de Cornelius Castoriadis, p.ex. L’institution imaginaire de la société (Paris, Seuil, 1975); “Introdução: socialismo e sociedade autônoma”, em Socialismo ou barbárie: O conteúdo do socialismo (São Paulo, Brasiliense, 1983); “A fonte húngara”, em Socialismo ou barbárie: O conteúdo do socialismo (São Paulo: Brasiliense, 1983); “A questão da história do movimento operário”, em A experiência do movimento operário (São Paulo, Brasiliense, 1985); “Proletariado e organização, I”, em A experiência do movimento operário (São Paulo, Brasiliense, 1985).
    [6] Consulte-se, de Daniel Guérin, L’anarchisme (Paris, Gallimard, 2009, edição revista e aumentada), p.23.
    [7] Ver, de Nicos Poulantzas O Estado, o poder, o socialismo (Rio de Janeiro, Graal, 1985 [1978]).
    [8] Vide, de Eric Hobsbawm, How to Change the World: Reflections on Marx and Marxism (New Haven e Londres, Yale University Press, 2011).
    [9] Friedrich Nietzsche, Also sprach Zarathustra. Stuttgart, Reclam, 1994 (1883-5), pág. 149.
    [10] Consulte-se, de Castoriadis, por exemplo, “Introdução: socialismo e sociedade autônoma” (op.cit.); “Pouvoir, politique, autonomie”, em Le monde morcelé – Les carrefours du labyrinthe III (Paris, Seuil, 1990).
    [11] Consulte-se, de Bookchin, por exemplo, o livro Social Anarchism or Lifestyle Anarchism: An Unbridgeable Chasm (Oakland e Edimburgo, AK Press, 1995).
    [12] O autonomista Cornelius Castoriadis e o marxista heterodoxo João Bernardo chamaram, por nomes diferentes – respectivamente, “burocracia” e “gestores” –, basicamente a mesma classe social, que João Bernardo denominou “a terceira classe fundamental do capitalismo” (ao lado dos trabalhadores e da burguesia), a qual Marx até teria visto “empiricamente”, mas cujo papel ele não compreendeu no plano teórico. Essa classe é formada por assalariados de médio e alto (ou mesmo altíssimo) nível de remuneração, envolvidos com atividades de direção, gestão, geração de conhecimentos e planejamento essenciais ao capitalismo, seja nas empresas privadas, seja no Estado. Tais agentes econômicos se diferenciam dos trabalhadores em sentido próprio por seu padrão de remuneração, seu status social, seu local de moradia e seu papel na esfera da produção; ao mesmo tempo, distinguem-se da burguesia pelo fato de não serem, no sentido usual, proprietários dos meios de produção, mas sim, como se disse, assalariados (ainda que possam ser, eventualmente, acionistas de empresas). É da classe da “burocracia” ou dos “gestores” que sairão os intelectuais, formuladores e principais organizadores dos partidos de tipo bolchevique do século XX, grupo social que se reproduzirá como classe dominante nos países do “socialismo burocrático”. Ver, de Castoriadis, por exemplo, diversos ensaios contidos nas coletâneas A sociedade burocrática – vol. 1: As relações de produção na Rússia (Porto, Afrontamento, 1979), Socialismo ou barbárie: O conteúdo do socialismo (São Paulo, Brasiliense, 1983) e A experiência do movimento operário (São Paulo, Brasiliense, 1985); e, de João Bernardo, consulte-se, acima de tudo, a obra em três volumes Marx crítico de Marx (Porto, Afrontamento 1977), mas também os livros Capital, sindicatos, gestores (São Paulo, Vértice, 1987), Labirintos do fascismo (Porto, Afrontamento 2003) e Economia dos conflitos sociais (São Paulo, Expressão Popular, 2007, 2.ª edição).
    [13] Ou seja, uma cooptação não personalizada, que não se restringe a “amansar” ou mesmo “domesticar”, em meio a um processo bem delimitado, esse ou aquele indivíduo ou organização. A situação em que um ativista popular (como um sindicalista ou ativista de bairro) que se destacou por sua postura combativa recebe e aceita um convite para ocupar um posto no aparelho de Estado, retribuindo com a sua “lealdade” e a sua “cooperação”, é ilustrativa da cooptação em seu sentido mais usual. Essa cooptação pode ser comparada a uma erosão acelerada, facilmente visível a olho e que transcorre em uma escala temporal relativamente rápida, ao passo que, prosseguindo com as metáforas geomorfológicas, a “cooptação estrutural” pode ser comparada ao intemperismo, processos físicos, químicos e biológicos que vão desintegrando muito lentamente uma rocha. É isso que ocorre quando, ao “tomar o poder” de Estado, ou mesmo já ao conquistar suas primeiras cadeiras em uma casa legislativa um partido de esquerda que pretendia promover muitas mudanças vai, lentamente, se ajustando e sendo modificado pela estrutura que ele pretendia (ou dizia pretender) modificar. Vide, sobre esse tema, A prisão e a ágora, op. cit., pp. 454 e segs.
    [14] Ver, principalmente, o livro A prisão e a ágora (op. cit., pp. 195, 330 e 591-2); vide, também, os artigos “Together with the state, despite the state, against the state: Social movements as ‘critical urban planning’ agents” (City, 10(3), pp. 327-42) e “Com o Estado, apesar do Estado, contra o Estado: Os movimentos urbanos e suas práticas espaciais, entre a luta institucional e a ação direta” (op.cit.).
    [15] Vide Maristella Svampa e Sebastián Pereyra, Entre la ruta y el bairro (Buenos Aires, Editorial Biblos, 2004, 2.ª edição), pp. 218-9.
    [16] Cf. Cornelius Castoriadis et al., A criação histórica (Porto Alegre, Artes e Ofícios, 1992), p. 129.

    Fonte: Jornal Passa Palavra. Disponível em: http://passapalavra.info/?p=56901. Acesso em 27 abr. 2012.

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  • Editora do IFCH-Unicamp lança coletânea sobre Althusser

    Publicado em 12/04/2012 às 10:24

    Organizada por competente pesquisador marxista, Márcio Naves, acaba de ser lançada coletânea sobre aspectos da obra de Louis Althusser. Interessados em adquirir seu exemplar (R$ 12,00 + R$ 4,15 de postagem) basta acessar o link abaixo:

    http://www.ifch.unicamp.br/publicacoes/index.php?p=livro&id_livro_selecionado=437

    SUMÁRIO
    Apresentação Márcio Bilharinho Naves
    O itinerário de Althusser Nicole-Édith Thévenin
    A teoria da ideologia de Althusser Francisco Sampedro
    Ideologia burguesa e ideologia jurídica Nicole-Édith Thévenin
    O que significa “ciência da história”? Maria Turchetto
    Althusser, Spinoza e a temporalidade plural Vittorio Morfino
    Sobre Gramsci e Althusser como críticos de Maquiavel Danilo Martuscelli
    Althusser e a revolução cultural chinesa Márcio Naves
    Sobre a Revolução cultural Louis Althusser


  • Atividades de extensão do LASTRO envolvem mais de 220 pessoas

    Publicado em 03/04/2012 às 20:58

    A realização de dois seminários e uma palestra internacional em um intervalo de 17 dias contou com a participação média de  75 pessoas.  O número de pessoas beneficiadas por evento foi de:

    • Seminário “Poder & Estado: uma visão anarquista” = 70 participantes
    • Seminário “Assassinados pela ditadura: Santa Catarina” = 68 participantes
    • Palestra “Primavera Árabe, Espanha, Grécia, Israel: massas em luta no capitalismo atual” = 87 participantes

    A equipe do LASTRO reafirma assim seu compromisso extensionista e espera poder continuar a promover atividades que articulem conhecimentos produzidos interior e exteriormente ao meio acadêmico, de modo a aprofundar constantemente o seu envolvimento em ações de extensão.